A importância das ciclovias para o progresso das cidades

JORNAL OPA






A via das bicicletas
Por Cássia Oliveira

 
Na pressa das grandes cidades ou na tranquilidade interiorana, as ciclovias agilizam o deslocamento, dão segurança a quem pedala e convidam a todos - ao menos de vez em quando - a deixar o carro na garagem 

Tratadas como estratégia para desafogar o trânsito ou alternativa de entretenimento. Separadas dos carros por canteiros e à sombra de árvores ou representadas por uma faixa pintada no chão. Ciclovia ou ciclofaixa. A via exclusiva para tráfego de bicicletas recebe tratamento diferente nas cidades – algumas sequer as têm – e, aparentemente, não existe mesmo um modelo que sirva a todas. Se em Porto Alegre os pedestres que tomam as faixas exclusivas para bicicleta são motivo de reclamação constante, em Campo Bom, localizada a 57 quilômetros da Capital, o espaço é dividido tranquilamente entre quem usa a bike e quem faz uma caminhada. Lá, perder alguns minutos desacelerando para poder ultrapassar uma criança que brinca no local impróprio também não parece incomodar. A diferença talvez não esteja na cidade nem na ciclovia, mas no uso que os cidadãos fazem dessa alternativa de locomoção.


“A bicicleta te leva a onde você quer”

            A frase é de Leonel da Luz Servo, morador de Campo Bom. Todos os dias ele pedala a Magrela, apelido carinhoso pelo qual chama a bicicleta que o acompanha há cerca de oito anos até o trabalho, uma fábrica de calçados. O percurso dura 20 minutos e cruza parte dos 21 quilômetros de ciclovias que cortam a cidade. Muito para o território de cerca de 60 quilômetros quadrados. Para Servo, a bicicleta é a rotina. O carro, comprado quando a filha resolveu fazer carteira de motorista, fica na garagem, reservado para distâncias mais longas. “A bicicleta te dá mobilidade. Quero fazer uma compra no mercado, pego e vou. Não preciso esperar ninguém. Ou pedir para irem me buscar. Coloco as sacolas no cestinho dela e pronto”, conta Servo. O acessório é parte importante da bike. Ele conta que ganhou outro modelo em um sorteio da empresa há alguns anos, mas preferiu não se desfazer da Magrela. “Essa tem o cestinho. É melhor, dá pra guardar tudo. Saio do trabalho, coloco o guarda-pó no cesto e vou pra casa”, explica.
            Campo Bom é o município pioneiro em ciclovias na América Latina. A primeira foi construída em 1977. A população, hoje cerca de 60 mil habitantes, está muito habituada a usar a bicicleta como meio de transporte. Atualmente, no entanto, a cidade também tem problemas com o tráfego intenso de carros. A prática de ir ao trabalho de bicicleta já não é tão banal como no passado quando, segundo Leonel, era possível sair e encontrar 3 mil pessoas andando de bicicleta. Hoje usam carros. “Mesmo com a ‘bike’, está saturado o trânsito de Campo Bom”, diz.



            Se as bicicletas já não levam tantas pessoas ao trabalho, as ciclovias são intensamente utilizadas para passeios – a pé ou em duas rodas – e a segurança que elas transmitem parece ser o fator decisivo. “É noite e tem gente correndo. Pela manhã cedo já estão de bike ou caminhando. Você encontra amigos”, relata. Morador de Campo Bom há 34 anos, Servo pensa em ir morar em Porto Alegre e assim atender a um pedido da filha. Quando ele vai pedalar na capital, a experiência colabora para adiar a mudança. Poderia levar a Magrela na viagem, mas acha mais fácil usar o serviço de aluguel de bicicletas que a Capital atualmente oferece. “Morar em Porto Alegre não quero. Eu vou em finais de semana. Fui no Parque Farroupilha e lá achei bom pedalar. Tranquilo. Nas ruas é complicado, mais perigoso. Não é como aqui, que você está mais protegido. Daqui uns 10 anos, quem sabe, eu vou morar lá”, cogita.
Entregas sobre duas rodas

            Cruzar Porto Alegre sobre uma bicicleta não é mesmo tarefa fácil. No trânsito intenso, carros, motos, bicicletas e pedestres disputam espaço por ruas, calçadas e ciclovias. Quem usa a bike vive a curiosa realidade de ser tratado como portador de um veículo, ter regras de trânsito a cumprir, equipamento de proteção obrigatório, mas ao circular em uma avenida ouvir de um motorista: ‘vai pra calçada’! Qual a atitude a tomar em uma hora dessas? Segundo o ciclista Glênio Guimarães, é acenar e quebrar o clima de animosidade que parece tomar conta do trânsito nos dias atuais.
            Morador do bairro Bom Fim, em Porto Alegre, e hoje empreendedor independente, Guimarães usava a bicicleta para chegar ao trabalho, uma agência de publicidade, diariamente. Começou então a dividir seu tempo entre o trabalho fixo e a produção de pães artesanais.  O que era apenas uma terapia foi ganhando espaço e demandando tempo e dedicação. Ele largou a publicidade e decidiu dedicar-se apenas aos pães. De bicicleta, entrega a produção da ‘Tudo de Pão’ num raio de 3 quilômetros. Apesar da reivindicação da clientela, não há previsão para ampliar os bairros atendidos. Isso porque é ele quem recebe os pedidos, põe a mão na massa e entrega a produção. De bicicleta, faça chuva ou sol. E isso não vai mudar mesmo se surgirem planos de crescimento da empresa, que hoje funciona no apartamento de Guimarães. “Se for para crescer será, talvez, com investimento em maquinário, sair de casa. Não mudar a estrutura de entregas. É fundamental manter a bicicleta. Tem toda uma proximidade com o cliente. Eu faço o pão e vou entregar. Conheço as pessoas. A gente conversa”, esclarece. O empresário utiliza ainda a produção para aproximar os clientes do universo dos ciclistas. Através da página da empresa no Facebook, ele chama a atenção para a forma como entrega a mercadoria. Com postagens como ‘Teu pão chega aí de bicicleta!’ ele pretende mostrar o conceito da empresa. “Não é uma bicicleta, é uma pessoa que está sobre ela. É um filho, um pai. E quem está no carro precisa ver isso. Nem todos que compram o pão são ciclistas. Então é uma forma de conversar com outro público e humanizar o assunto”, destaca Guimarães.

Uma cidade para pessoas

            A capital dos gaúchos tem 496 quilômetros quadrados de território e cerca de 20 quilômetros de ciclovias ou ciclofaixas sinalizadas. É quase nada e, ao observar a localização, é fácil perceber uma das principais reclamações dos ciclistas: tratam-se de muitos pequenos trechos que não se interligam. Não formam uma malha e, por isso, não levam a lugar algum. “Quem usa as ciclovias vê os problemas que elas têm. E a gente não entende como os profissionais que idealizaram elas na cidade as fizeram dessa forma. São trechos estreitos, obstáculos, curvas acentuadas. As ciclofaixas são impraticáveis no inverno. Eu uso a rua. Porque é uma tinta vermelha que escorrega quando molha. É impossível usar! Não tem segurança e já houve acidentes”, reclama Guimarães.
            O Plano Diretor Cicloviário promete melhorar a situação. Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC), até o final de 2014 a Capital alcançará 50 quilômetros de ciclovias ou ciclofaixas. Os novos trechos previstos incluem Avenida Tronco, Avenida Loureiro da Silva, Ipiranga, Edvaldo Pereira Paiva, Padre Cacique, Rua Voluntários da Pátria, a Avenida dos Estados, Severo Dullius, Dona Alzira e Sertório. Quanto a tinta utilizada para demarcar a ciclofaixa, a EPTC informou tratar-se de material utilizado em diversas cidades do mundo e atender as normas do Código de Trânsito Brasileiro. A EPTC ressalta, ainda, que, assim como os condutores de veículos automotores, os ciclistas também têm de reduzir a velocidade em dias de chuva, pois todos os tipos de piso tendem a ficar menos aderentes.
            As melhorias ainda são vistas com desconfiança. “Porque a gente não tem uma cidade pensada para as pessoas. Mobilidade é abrir rua? Mobilidade é para carro? Não. Hoje as pessoas sofrem no trânsito. Somos obrigados a pensar a cidade de outra forma”, diz Glênio Guimarães, que aposta na alternativa da educação da população como única esperança. “Quando se fala em uma habilitação para ciclistas ou quando quem está de bike reclama do pedestre, eu vejo que é a mesma lógica do motorista. E está errado. Precisa de campanha educativa. Para o ciclista também respeitar o pedestre e se fazer respeitar no trânsito. Porque ali é o nosso lugar, não na calçada. A bicicleta é um veículo e é menos um carro na rua”, defende o ciclista.
            Mesmo mostrando-se descrente no investimento em ciclovias, Guimarães se diz convencido de que a mentalidade das pessoas está mudando. Talvez mais por necessidade do que por vontade. O fato é que as pessoas se veem obrigadas a dividir o mesmo espaço e começam a se dar conta que liberdade e autonomia não é ter um carro na garagem. “A bicicleta te dá liberdade. O que o carro faz em uma hora hoje em Porto Alegre, eu faço em 15 minutos. Porque o carro está preso no congestionamento”, diz. Para ele, uma nova forma de ver a cidade está surgindo e há boas atitudes que o fazem esperançoso. “Pode ser raro, mas têm motoristas que te dão preferência. E assim a bicicleta pode ser usada não só para ir trabalhar. Tem jovem indo pra festa de bike. O comerciante ao invés de ter um estacionamento, investe em um bicicletário. Já surgem tentativas de regredir esse pensamento voltado ao automóvel”, destaca.

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