Carnaval de Salvador cada vez mais etimológico ou: Não Verás Bahia Nenhuma!

Bahia Notícias


por Nadjara Régis
Aconteceu este ano uma novidade no Carnaval de Salvador que pode cair no gosto dos setores público e privado: a prefeitura autorizou a instalação em praça pública da Cápsula do Amor, equipamento suspenso a 15 metros do chão, apelidada nas redes sociais e pela imprensa como “Trepódromo”, “Rapidinha Privê”, “Motel Suspenso”, “Motel Aéreo” e “Motel Voador”, um espaço para atender os foliões de um determinado Camarote.

Na história do Carnaval em Salvador ninguém questiona três acontecimentos: primeiro, a criação do Trio Elétrico (1950) por Dodô & Osmar, consequentemente adotado, com inovações, por todos que passaram a entrar no Circuito do Carnaval. Segundo, a criação do Bloco de Carnaval, assimilado também por praticamente todos que passaram a entrar no circuito, com as inovações do Abadá e das Cordas.


Terceiro, a criação, já na década de 90, do Camarote, local fixo com banheiro, discoteca e Open Bar, a uma certa altura do chão, que recebeu a adesão de praticamente todos os Blocos de Carnaval, embora ainda existam os camarotes que não se referenciam em bloco específico. O abadá – “senha” de acesso ao bloco ou camarote – é vendido. Assim, a fórmula do Carnaval até 2015 é Trio+Bloco+Camarote.

Seguindo a evolução das criações do Carnaval de Salvador, tudo indica que em pouco tempo todos os demais Camarotes reivindicarão para si o uso “da novidade”, tal como se deu com a adoção do trio, do bloco e do próprio camarote.

Imaginem cada camarote com seu ambiente privê suspenso prometendo sensações incríveis para o sexo em Salvador: coisa assim, minha gente, só se vê na Bahia! Seria, de fato, o auge da intervenção pública no sentido de garantir à população a apreensão da essência do carnaval, cuja etimologia diz: carnaval: festa da “carne”. Isto é que seria o resgate da cultura, uma vez que se promoveria a essência da festa perante as ressignificações que sofreu no processo civilizatório.

O debate promete; porque assim foi com o trio elétrico quando deixou de fora as bandinhas de rua e veio, com isso, o primeiro debate sobre o poder econômico no carnaval; assim foi com o bloco que deixou de fora “os pipocas” e veio, com isso, o debate do carnaval que se torna um grande negócio com benefícios sem igual para “a elite branca”; assim foi com o camarote e veio, com isso, o debate de como fez sumir a “vista livre” do mar de Salvador além de apertar as ruas para os foliões “pipocas”.

Debate é bom, ajuda a expurgar a inteligência que pode dominar a gente para fazer-nos pessoas tristes. Uma vez adotado por todos os camarotes o ambiente privê suspenso para rapidinhas, teremos mais uma onda costumeira de debates. Falarão da poluição visual. Mas o que mais ganhará destaque será a reivindicação popular:  se uns tem direito ao sexo confortável em pleno circuito do carnaval, como fazer para ser politicamente correto com o povo da pipoca?

Este ano a Prefeitura de Salvador garantiu blocos sem cordas por um dia, então algo terá que ser criado para amenizar a inveja do povão em ter uma “Rapidinha Privê” a 15 metros (ou mais, a prefeitura há de regular isto) do chão. Ao menos seria pensada uma política de compensação tipo “Programa Bolsa Motel”, “Programa Motel para Todos” ou uns quartos públicos equiparados aos banheiros químicos...

Mas eu apostaria numa ideia melhor, que certamente cairia no gosto de muitos turistas, que geraria uma mídia espontânea sem igual para o Carnaval da Bahia, com quase nada de dinheiro público. Tal foi criado o dia do carnaval sem cordas, bastaria à Prefeitura inaugurar o “Dia da Rapidinha Pipoca”.

Sendo o “privê” coisa de esnobe, no dia da rapidinha pipoca seria destinada uma praia ou terreno próximo a cada Circuito do Carnaval, que funcionaria como “Free Zone to the Sex”, com postos da Secretaria Municipal de Saúde distribuindo camisinhas e realizando testes rápidos para identificar doenças sexualmente transmissíveis, além, claro, de uma ducha rápida de água doce.

Uma vez implementado o Dia da Rapidinha Pipoca, vocês iam ver que a reivindicação no próximo carnaval seria nada mais nada menos do que autorizar um espaço permanente para o sexo rapidinho. E não faltaria dono de terreno hoje destinado a estacionamento de carros que passaria a solicitar à Prefeitura que nos dias de Carnaval pudesse funcionar para “rapidinhas standart”.

Uma coisa é certa: não há limites quando a imaginação é para ganhar dinheiro no Carnaval da Bahia. E não me venham com chorumelas: que “a imagem da população da Bahia vai ficar vinculada predominantemente ao sexo”, que “toda mulher baiana vai ser tomada de imediato como mulher disponível”, que “na Bahia cultura é sinônimo de sexo, e vice-versa”, que “se o carnaval for para exportar o sexo não precisa de dinheiro público”. Dirão até da possível violação a um direito à honra da população da cidade para ver se o Ministério Público promove uma ação civil pública...

Acontece que Carnaval é festa da carne, ou vocês não sabem que esta é a etimologia da palavra? Nunca ouviram falar das Saturnálias? Vocês querem interromper o mais significativo resgate cultural na única política cultural que deu certo na Bahia para qualquer que seja o partido político que ocupe esses governos?

Se alguém é contra as inovações que de modo tão espontâneo chegam ao Carnaval baiano, que me diga como poderemos nos próximos 500 anos ter a Bahia no centro do Mundo. Enfim, para os que não curtem a ironia e possam mal entender minhas palavras, apelo a Inácio de Loyola Brandão: Não Verás Bahia Nenhuma!
 * Nadjara Régis é advogada, mestranda em Direito Público/UFBA

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias


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