CARTINHA A SÉRGIO MORO, CRIADOR DE BOLSONARO


CARTINHA A SÉRGIO MORO, CRIADOR DE BOLSONARO

João Batista de Castro Júnior. Graduado em Direito pela UFBA, Doutor em Linguística e Cultura pela mesma Universidade, leciona Teoria da Constituição e Teoria do Processo como professor adjunto do Curso de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).



A uma pessoa com o cetro do poder é difícil identificar quem de fato gosta dela. Moro parece não ter se dado conta dessa armadilha e agora, ao dissimuladamente preferir Bolsonaro, finge não ver que é de conhecimento público que a Lava-Jato não foi senão um espetáculo de ilusionismo com truques jurídicos novos, que, descobertos, afugentaram da plateia as pessoas crédulas e reforçaram as convicções e desconfianças das incrédulas.

Aos incrédulos que clamavam no deserto, nunca houve dúvida: ao mesmo tempo que amordaçava e punha sob tortura a Constituição, a máquina da Lava-Jato aprofundava a velha tatuagem de que os personagens da cena jurídica em sua maioria respiram numa atmosfera livresca de conceitos que evaporam em 5 segundos tão logo saltem para a realidade.   

Moro e sua trupe, em realidade, nada mais fizeram que surgir com novas vestimentas nesse corpo doutrinário do Direito que historicamente tem sempre atuado como mordomo de algum tipo de burguesia dinheirosa; o sorrateiro Direito estamental, que, mesmo quando aparenta mostrar coragem, age em verdade como ratos que, ao perceberem o navio afundar, são os primeiros a fugir, na paráfrase de um célebre jurista com sensibilidade social; o Direito de muitos juristas que usam o termo "povo" como ornamento retórico de seus discursos sobre a Constituição, enquanto o ser humano simples das ruas ou do campo ou dela não sabe ou sabe muito pouco ou não quer saber por achar a linguagem jurídica obscura, distante, etérea.  

É nessa conhecida arquitetura institucional que aparece a condenação do ex-Presidente Lula por meio de uma sentença que, do ponto de vista técnico, é um espetáculo de bufonaria jurídica. Nela, os conceitos fluidos e verbosos, sem lastro nem provas, pululam farsescos, burlescos e até grotescos na sua desajeitada contradança de ilegalidades. Como, “de perto, ninguém é normal”, tal como disse o poeta cantante, o exame cuidadoso da decisão condenatória de Lula revela desde o início, nas palavras de outro vate musical, “um copo vazio cheio de ar”, enquanto o champanhe estoura na mesa dos lava-jatistas incensados pela mídia, que zombam até de cortejo fúnebre.  

Bem pensadas as coisas, contudo, como pedir justiça imparcial ao “filho legítimo” de um pensamento que se habituou em suas teorias a se preocupar mais com a cerca do que com a plantação, com a norma gramatical do que com os significados sociais, com os ternos refrigerados pela frieza dos conceitos abstratos importados servilmente do Norte da Europa do que com os que labutam sob o sol escaldante da miséria e da desigualdade?

Nem o Supremo Tribunal Federal, apesar de toda sua esfuziante estampa de guarda da Constituição, parece ter sido movido por razões mais arejadas ou  mesmo por preocupação para com a injustiça contra o nordestino invejado pelas elites e posto no pau-de-arara da inquisição lava-jatista. No fundo, quis salvar o tradicional pensamento jurídico do desastre que Moro começava a institucionalizar para escândalo do planeta. Entre o juiz da Lava-Jato e o modelo do saber jurídico tradicionalmente ornamental que serve a um modo de apropriação econômica, não teve dúvidas: sacrificou o desatinado xerife que, sozinho, quis ser o ator, o roteirista, o diretor, o produtor e até o coreógrafo do filme em que o mocinho branco no fundo é o vilão e o réu nordestino, a vítima.

Esse tipo de filme insulso e desajeitado, mas perigoso e traiçoeiro, é um velho conhecido na cena política e social brasileira, até porque o roteiro, decalcado de muitos manuais de Direito, reproduz o velho sabor escolástico de criar e repetir cansativamente conceitos à exaustão que ajudam Tribunais, presos em seus estúpidos escafandros, a proteger mais os financistas do que os trabalhadores, mais os devastadores do que o meio ambiente.   

O escandalosamente novo está apenas no protagonismo de tal ordem da Lava-Jato, que, com a farsa jurídica amplificada pela imprensa corporativa, deu nascimento a um imprevisível monstrengo presidencial. Cegos e envaidecidos com seu saber sem a menor conexão social e que vive de perfumar os próprios miasmas, os agentes da Lava-Jato capitaneados por Moro não se preocuparam que pobres hoje passariam severa fome; que doentes não teriam remédio nem vacina até para doenças antes controladas; que desempregados não teriam emprego nem renda; que mulheres seriam mortas a gemer de dor pela força revitalizada do sexismo e da misoginia.

Se os lava-jatistas velados ou manifestos podem viajar a Paris ou à Disney para alívio de suas tensões reais ou fictícias, o brasileiro comum se equilibra para tentar sobreviver com sua saúde mental degringolada, com medo de tudo, até de dar uma simples opinião e levar um tiro numa fila de pão de alguém com uma pistola adquirida sabe-se lá como nesse culto insano do armamentismo privado fomentado pelo atual Presidente. 

Não há dúvida no arremedo de justiça a cargo da Lava-Jato: ele criou Bolsonaro. Bolsonaro destrói as fibras sociais do Brasil. E o Judiciário tradicional deve permanecer o mesmo: misterioso, muitas vezes injusto e costumeiramente manietado aos interesses dominantes, de uma forma ou de outra.

Vitória da Conquista, Bahia, 26 de setembro de 2.022.


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