O crime de Leocádia: um olhar atual
Texto do mais novo cordel de autoria João Rocha, uma revisão sobre conhecida tragédia, ocorrida no final do século XIX, a partir de uma importante contribuição do dileto amigo guanambiense Fernando Vasconcelos
01
Em
Guanambi, na Bahia,
a
antiga Beija-Flor,
Corre,
há mais de um século,
uma
história do horror:
Crime
vil e monstruoso
Cheio
de ódio e pavor.
02
Por
todo o nosso país,
O
caso foi difundido,
Tendo
a Globo e o cinema
Até
mesmo produzido
Filmes
que divulgariam
O
crime acontecido.
03
Também
na literatura,
Teses
e dissertações,
Livros,
artigos, resenhas
E
outras publicações
Vieram
a desenvolver
Proveitosas
discussões.
04
Meu
caro amigo Fernando
Vasconcelos,
que é doutor,
Em
saúde coletiva,
O
caso examinou
E então, recentemente,
Coisa
nova acrescentou.
05
Primeiro,
eu vou contar
O que
é menos controverso
Do
caso cujo desfecho
Foi
um crime bem perverso,
Evito
entrar em detalhes,
Nestes
meus modestos versos.
06
Leocádia,
uma menina,
Pelo
que é dado saber,
Tinha
seus 16 anos
E,
para sobreviver,
Saiu
do meio da roça
Pra
Beija Flor conhecer.
07
Beija
Flor foi, no começo,
Um
modesto povoado
De
Palmas de Monte Alto,
Que
depois foi desmembrado,
Sendo
hoje Guanambi,
Município
emancipado.
08
A
data não é precisa,
Mas
foi lá pelos noventa,
Fim
do século XIX,
Quando
uma seca incruenta
Trouxe
pra total miséria,
Grandes
multidões sedentas.
09
No dizer
dos mais antigos,
Depois
da Abolição,
A mão
de obra barata
Permitia
a barração
Do
Riacho do Belém,
Pra
enfrntar a sequidão.
10
José
Pedro Guimarães,
Conhecido
fazendeiro,
Tomou
a frente da obra,
Que
se iniciou ligeiro,
Na
qual homens e mulheres,
Trabalharam
o dia inteiro.
11
Era
um litro de farinha
E um
quarto de rapadura
A
diária recebida,
Por
conta de muita agrura,
Sendo
a comida por conta
Da
sofrida criatura!
12
Moradora
ali de perto,
Leocádia
se mudou
Para
a casa de uma tia
Que
morava em Beija Flor,
E
então, lá na barragem,
Um
trabalho ela arrumou,
13
Jovem
de rústica beleza,
Porém
sub-alimentada,
Logo
no primeiro dia
Caiu
no chão, desmaiada,
Desse
dia em diante,
A
bóia passa a ser dada.
14
Raquel
Gomes Guimarães
Com
José Pedro casada,
Dera crédito
ao boato,
De
que era enganada
Por
ele, com Leocádia,
E a
vingança foi tramada.
15
Raquel
passa a investigar,
E
recebe a informação
De
que Marcolino vira,
Juntamente
com Tião,
José
Pedro e Leocádia
Numa
confabulação.
16
Marcolino,
a chamado,
Da enciumada
megera,
Confirmou
que viu, de fato,
O
momento em que se dera
A
entrega de um pacote,
Que o
marido fizera.
17
Era
um corte de chita,
Segundo
apurou Raquel
Que,
irada e violenta,
Na
boca um gosto de fel,
Bolou
sanguinário plano,
Macabro,
frio e cruel.
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Com
Tião e Marcolino,
Ela
acertou pra matar
Leocádia,
quando fosse,
Na
fonte, a roupa lavar;
Vinte
tostões, e meia arroba
De
café, ia pagar.
19
Feito
o acerto, eles foram
Cunprir
o trato cruel,
De
Leocádia matar,
E
trazer para Raquel
Um
seio pra ser assado,
E
servido ao infiel.
20
O
corpo de Leocádia
Com
pedras foi amarrado,
E num
poço, no lajedo,
Foi
finalmente jogado,
Nesse
lugar, até hoje,
O
povo a tem cultiuado.
21
Dona
Raquel preparara
Um
assado pro marido
Do
seio de Leocádia,
E a
ele foi servido
Pela
própria criminosa,
Que
lhe contou o ocorrido.
22
José
Pedro ficou pasmo,
Após
Raquel confessar
Que a
comida servida
Fora
para se vingar
Da
suposta traição
Que
ela estava a lhe imputar.
23
Depois
desse acontecido,
O
crime foi abafado;
Dizem
que deram sumiço
Nos
dois que tinham matado,
E a
lentidão da justiça
Não
levara a condenados.
24
O
certo é que a família,
Em
razão disse saiu
De
Guanambi pra São Paulo,
E
em Pitanguiras seguiu
Um
caminho de sucesso,
Segundo
se descobriu.
25
Essa
é uma novidade,
Que
agora foi encontrada,
Devido
a nova pesquisa
Há
pouco realizada,
Que
muda um pouco a versão
De
pai pra filho passada.
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Até
hoje, em Guanambi,
Acontece
romaria
Ao
lugar – a Leocádia-
Em
que seu corpo teria
Recebido
sepultura
E até
milageres faria.
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Por
conta dessa versão
Leocádia
virou santa,
E a
justiça divina
Agiu
com precisão tanta,
Que
Dona Raquel teve lepra,
E viveu como uma planta.
27
É a
versão dos que dominam
Pra
consolar os dominados,
Só
que agora tudo isso
Está
bem desmascarado,
Pois
a família viveu
Na
riqueza e no folgado.
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O
capitão José Pedro,
Da
Guarda Nacional,
Recebeu,
em Pitangueiras,
Uma
promoção real
A
tenente-coronel,
Que
lhe deu poder real.
29
Grande
cafeicultor,
Ficou
rico e poderoso,
Passando férias na Europa,
E vivendo
em pleno gozo
De
favores no governo
Do
estado mais poderoso.
30
A
Leocádia restou
A
pecha de prostituta
Que,
por um corte de chita
E o
alívio em sua luta,
Distraída
se envolveu
Em
perigosa disputa.
31
Terminou
por ser punida,
Pela
vã oligarquia,
Por
tentar contra a família
Rica,
cristã e sadia;
E ser
tratada por santa,
É
compensação tardia.
32
E pra
purgar o pecado
Que a
esposa cometeu,
Com a
tortura e morte horrível
Que
Leocádia sofreu,
Deus
a condenara à lepra,
Só
que isso não aconteceu!
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Em
síntese, é como se fosse
Leocádia
a responsável
Pela
razão que levou
A sua
morte deplorável,
Deixando
ao plano divino
Uma
punição provável!
34
Assim
termino essa história,
Trazendo
a nova versão,
Descoberta
pelo amigo
Que
me deu a informação,
Para
que ela alimente
A
nossa reflexão.
Salvador,
27 de maio de 2021
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