Nomes irreverentes podem levar à impugnação da candidatura

  • Fotos: Divulgação e Raul Spinassé | Ag. A TARDE
    Prof. Moisés, o Homem-Aranha; Jerusa Pinheiro, a Sherrie Renovo de Davi; Wilson Araújo, o Eu te amo
"Você sabe que eu te amo?". O que pode parecer inicialmente uma cantada romântica, na verdade, é a tentativa de Wilson Roberto Alves Araújo, 53, para tentar ganhar o voto do eleitorado. Candidato a deputado federal pelo PEN, ele escolheu como nome de campanha a insólita expressão "Eu te amo".

E não é o único. Eles estão em todos os partidos. No entanto, uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), publicada este ano, abre caminho para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) impugnar a candidatura dos que abusarem da criatividade.

De acordo com o texto da resolução 23.405, assinada pelo presidente do TSE, Dias Toffoli, o nome de campanha pode ser o prenome, sobrenome, apelido, entre outros, "desde que não se estabeleça dúvida quanto a sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente".

E irreverência é o que não falta. Dos 350 candidatos baianos que concorrem a uma vaga na Câmara dos Deputados, pelo menos 27 deles escolheram nomes excêntricos e até mesmo engraçados. Enquanto a maioria opta por nome de batismo, há quem prefira apelido ou alguma característica da própria trajetória, como Mago do Trânsito, Tcheny e Latinha.

No caso dos candidatos a deputados estaduais na Bahia, a estratégia se repete. Dos postulantes, cerca de 40 abusam da criatividade com nomes como Cara de Hambúrguer, Bell com Amor, O Galo Cego, Abelhinha, Zé do Saco, entre muitos outros.

O procurador regional eleitoral José Alfredo foi procurado pela reportagem para comentar o caso, mas, até o fechamento desta edição, não foi localizado.

Credibilidade

Wilson, o "Eu te amo", é funcionário da Caixa Econômica. Ele confessa que a expressão romântica é para chamar a atenção, já que é a primeira vez que se lança na disputa eleitoral e não dispõe de recursos para tocar uma campanha. "Quero agregar. Procurei algo que fosse agradável aos ouvidos. Estou apostando no inusitado do nome".

A abordagem é, no mínimo, curiosa. "Chego para as pessoas e pergunto: você sabe que eu te amo? E me apresento. Está tendo boa aceitação". A bandeira que defende é a da família. "Nossos líderes estão deixando muito a desejar. O mundo precisa de pessoas que amam o próximo. Se eu amar você, não vou desviar verba, não vou votar em projetos que não sejam do interesse da população".

Wilson diz, ainda, que não tem receio de o nome interferir na credibilidade. "Alguns podem pensar que é gozação, mas não é brincadeira. Sou cristão. As pessoas tem que ver Jesus em mim. Tem que amar o próximo", diz.

O cientista político Jorge Almeida diz que, no contexto da irreverência, existem dois tipos. Há os que escolhem um apelido ou expressão pela qual já são conhecidos. "Há pessoas que são conhecidas só pelo apelido. Eles usam porque querem ser identificados. Outros, acham que inventando nomes esdrúxulos serão eleitos".

Almeida acredita, no entanto, que são poucas as chances de se eleger com nomes inventados: "É muito difícil que seja eleito apenas pelo nome esdrúxulo. Acho que pode ter algum resultado eleitoral quando a pessoa já é conhecida pelo apelido, como no caso de Tiririca que já era celebridade e se elegeu".

Apesar de não ser conhecida como o palhaço Tiririca (PR), eleito pelo estado de São Paulo em 2010, é no inusitado também que a técnica de enfermagem Albeia Rodrigues Araújo (PSC), a Abelhinha, aposta como estratégia. Ela conta que se identifica com as abelhas que são operarias e voam juntas, ajudando umas as outras. "Eu me sinto igual às abelhinhas, trabalhando junto pelo próximo. E parece também com meu nome. Por isso, escolhi".

Foi na atuação na saúde que Abelhinha decidiu entrar no ramo da política. "Eu tinha pena dos pacientes. Trabalhava no plantão das colegas que maltratavam eles. Eu ia no lugar delas para passar carinho, amor e atenção. Por ver as pessoas sofrendo, pensei que estando com os políticos poderia fazer algo pelo povo".

É a terceira investida dela na colmeia política. Concorreu como vereadora em 2008 e 2012, em Lauro de Freitas, mas não venceu. Para sair como candidata, largou o emprego que tinha numa empresa particular.

"Não tenho dinheiro. Só fé. Nem tenho mais salário. Estou esperando doações. Mas o político não é para pensar no ouro, na ganância. É para fazer uma boa gestão enquanto estiver na terra", defende.

Durante a trajetória, Abelhinha cogitou desistir. "Umas pessoas ricas me disseram que eu não ganharia nunca porque sou pobre e que eles conseguem porque tem dinheiro para comprar as pessoas. Fiquei desanimada, mas não desisti", questiona.

Super-herói

Na teia das eleições, há quem se espelhe até em super-heróis. É o caso do Prof. Moisés, o Homem-Aranha (PSDB), candidato a deputado federal. Professor, radialista e palestrante, Moisés Barbosa dos Santos aproveitou a fama que conseguiu, no município de Cruz das Almas, dando palestras, para associar ao seu nome de campanha. Quando palestra para o publico infantil, ele se veste do super-herói.

O professor relata que entrou na política porque quer se tornar presidente da república. "O pessoal passou a me chamar de Homem-Aranha e uso para chamar a atenção mesmo. Vou deixar claro que sou capacitado".

No município de Camaçari, José Raimundo de Jesus dos Santos (PT), não abriu mão do apelido da adolescência, quando trabalhou em uma lanchonete: Cara de Hambúrguer. "É por causa da cara redonda. Até o governador Jaques Wagner, que é meu padrinho de casamento, me chama assim. Esquisito seria botar José Raimundo que ninguém conhece", afirma o candidato a deputado estadual.

Também candidata À Assembleia Legislativa, Jerusa Santos Pinheiro (DEM) decidiu unir uma expressão bíblica à elegância francesa. Da junção, resultou o nome de campanha excêntrico: Sherrie Renovo de Davi.

"Sherrie é querida em francês, mas escrevi com 'S'. Trabalho com eventos e todo mundo me chama de Cherry. Renovo de Davi significa soldado valente. Uma irmã me indicou um salmo na Bíblia que tinha a expressão e eu decidi usar porque sou guerreira. Já passei por muita coisa na vida", conta.

Líder comunitária, Sherrie relata que, após um acidente, quebrou os dois pés. Havia o risco de não voltar mais a andar. Ela chegou a usar um carrinho de mão porque não tinha cadeira de rodas. "Não tenho receio de acharem que é brincadeira. Conquistei as pessoas com esse nome. Meu facebook é assim. É o resultado de uma superação".

Saiba mais

Casos serão julgados até agosto

Todos os postulantes que se registraram para disputar as eleições deste ano aos cargos de deputado estadual e federal terão as candidaturas julgadas até o próximo 21 de agosto. “A Justiça Eleitoral indefere alguns casos de nomes irreverentes. O Tribunal tem indeferido principalmente quando usam nomes de famosos”, destaca o advogado eleitoral Ademir Ismerin.

A resolução 23.405 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ressalta as restrições no artigo 30. O nome para urna (nome de campanha) é escolhidos pelos próprios candidatos. Os casos que atentem contra o pudor, sejam ridículos ou irreverentes devem ser evitados.

“Muitos desses candidatos se lançam porque querem estar na festa, facilitar a vida deles, ter contato com os políticos”, opina Ismerin.
Ele diz que há uma disparidade entre quem que  se lança pela primeira vez e aqueles que já estão na estrada. “A lei eleitoral é rígida com quem nunca foi nada. Eles não podem fazer campanha antes de 5 de julho. Detentores de mandato continuam na ativa, aparecendo por conta do mandato. É preciso dar oportunidade igual”.

Consciência política

O cientista político Gilberto Wildberg destaca que essa irreverência na política não ocorre em países mais sisudos como França e Alemanha. “Acontece na América Latina inteira e o eleitorado responde a isso. Depende da consciência política dos eleitores que acham que (a votação) é apenas um momento de escolha distante dele. O eleitor não vê aquilo como seu. Escolhem candidatos como se estivessem escolhendo cavalos”, afirma.

“Os candidatos escolhem o nome para ver se cola. As chances deles são poucas porque são pouco conhecidos. O que falta  é um nível de consciência e participação popular sobre o que é a eleição”, acrescenta Wildberg.

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