A TARDE: Bloco O Povo Pediu completa 45 anos

Povo Pediu se mudou para o bairro do Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico - Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE

Sem cordas, abadá e trio elétrico, o bloco segue com a mesma proposta da década de 1970

Autor: Renato Alban

 

Criado por um grupo de músicos em 1979, o bloco carnavalesco O Povo Pediu vai comemorar 45 anos de existência neste ano. Sem cordas, abadá e trio elétrico, o bloco segue com a mesma proposta da década de 1970: a confraternização entre amigos. Mas, desde então, testemunhou grandes mudanças na folia soteropolitana.

“Os blocos antigos, de 45 anos atrás, já tinham cordas, mas os cordeiros eram integrantes dos blocos”, conta o músico Lula Gazineu, um dos fundadores do grupo. “O que eu mais sinto é que o folião perdeu criatividade e segurança”. Para ele, é preciso retomar as fantasias e a liberdade dos antigos Carnavais: “Nosso bloco é resistência”.

Tocando guitarra baiana, bandolim e cavaquinho, Gazineu formou o quinteto de músicos junto com Quito, no violão; Ciro Boy, no timbau; Moacir, no pandeiro; e Palito, no violão de sete cordas. Quem também participou do início do bloco foi o professor universitário Nelson Pretto: “Eu não toco nada, sou só um animador desse bloco desde o começo”.

O professor cedia o apartamento onde morava na época para os ensaios. “A ideia do bloco foi aglutinar pessoas que gostam de se divertir e que tocam e fazem música”, diz Nelson. “Brincávamos, tocávamos, sem nenhuma distinção entre quem era músico e quem não era”, lembra. O bloco começou no trajeto do Campo Grande a Praça Castro Alves, na sexta-feira de Carnaval.

“Parávamos na esquina da lanchonete Manon, muito famosa porque tinha drive thru”, conta o professor. Na esquina oposta à Casa d'Itália, a lanchonete virava uma festa à parte. Na época, as fanfarras dividiam espaços com alguns blocos de corda, como os blocos afro, ainda sem trios elétricos. “A turma parava, fazia folia num cantinho, até o espaço abrir novamente”, lembra Nelson.

Com a chegada dos trios às sextas de Carnaval no circuito do Campo Grande, O Povo Pediu passou a desfilar às quintas-feiras, mas, enfim, preferiu mudar de endereço. “Essa mercantilização do Carnaval é algo muito ruim, que enriqueceu muita gente e afastou muita gente também”, afirma o professor.

O Povo Pediu se mudou para o bairro do Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico. “Nos 20 anos de bloco, saímos do Garcia, fomos ao Pelourinho e agora voltamos ao Santo Antônio”, explica Gazineu. Neste ano, o bloco desfila em dois dias. No sábado, 3, sai no bairro da Saúde, e no dia 9 de fevereiro, sexta de Carnaval, desfila no Santo Antônio.

“A gente sai em locais muito distintos, como a Saúde, que é um espaço para se divertir, fugindo do Carnaval, onde é possível ter tranquilidade”, diz Nelson. “A gente está buscando sair em locais menos movimentados, que deem espaço e condições acústicas para que o pessoal ouça e possa acompanhar”, complementa Gazineu.

Além de participar da folia soteropolitana, o bloco também faz festa no São João e já participou de folias em outras cidades, como Recife (PE), Ouro Preto (MG) e Ubaitaba (BA). “Neste ano, uma parte do grupo vai para Minas Gerais. Quem vai ficar aqui, toca aqui e quem vai viajar, se reúne e faz um pequeno desfile em outro lugar”, diz Gazineu.

Amigos

Com cerca de 100 integrantes, o bloco ainda reúne foliões que saíram em 1979. “Todos nós somos amigos até hoje”, conta Lula. Também tem foliões que conheceram o grupo ao longo dos 45 anos de história. É o caso do técnico em metalurgia Hamílton Santos, que desfila com O Povo Pediu há 24 anos. “Gostei muito da forma como as coisas aconteciam. Tudo de forma muito espontânea”.

Hamilton diz que já escreveu cinco sambas para o grupo. A mais conhecida delas foi uma homenagem ao padre José de Souza Pinto, falecido em 2019. “A música partiu de uma brincadeira de que padre Pinto foi o primeiro papa brasileiro”, diz o folião. "Padre Pinto mandou avisar, que da Lapinha só sai a tapa, se for para ir pra Roma, que seja então como papa", canta a marchinha.

Gazineu conta que o bloco tem 20 músicas autorais, que estão no repertório junto com marchinhas populares. Folião de O Povo Pediu desde 1979, o aposentado Francisco Antonio de Matos, o Tito, afirma que o foco do grupo são músicas engraçadas, mas não apelativas. “Gazineu tem as melhores letras e é autor da maior parte das músicas do bloco”, diz ele.

Foi Gazineu quem fez a primeira canção do grupo: "Porque cantar nos encanta, porque este amor nos uniu, porque a força foi tanta, porque o povo pediu". A marchinha e o nome do bloco se referem aos pedidos que os fãs do grupo faziam ao quinteto musical ainda em 1978. Um ano antes da primeira saída do bloco no Campo Grande, o grupo fazia festas, excursões e até casamentos.

“O local ideal [para as festas] era o restaurante do Firmino, no Cabula, uma rua muito esburacada e que, por isso, era muito vazia de carros”, lembra Tito. Com os pedidos dos admiradores do grupo, o quinteto decidiu desfilar na avenida. “Nelson cedeu a casa para ensaios e fizemos cartazes, porque, de qualquer sorte, o grupo tinha que ter uma pequena organização”, destaca o folião.

Essa “organização desorganizada” de O Povo Pediu é citada de forma bem-humorada pelos integrantes. “A questão é que é muito livre, muito orgânico. Hoje, a gente até faz camisas, mas é mais por uma questão de praticidade”, diz Gazineu. Os custos do bloco, que não cobra ingresso aos foliões, é dividido pelos integrantes.

O plano do bloco, no momento, é registrar essa história em um documentário que pretendem lançar no final deste ano. “Estamos angariando fundos para gravar um DVD. Gazineu já fez um roteiro, mas, como tudo nosso, só sai de surpresa”, diz Tito, que também elogia a folia dos trios: “O Carnaval da Bahia, dado o tamanho que ele tem, dá para todo mundo”.

 


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