MPF denuncia major da reserva por sequestro e morte no Araguaia
Portal Vermelho
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça o major da reserva Lício Augusto Maciel pelo sequestro do militante do PCdoB Divino Ferreira de Souza, o Nunes, capturado ilegalmente pelo Exército em 1973 e desaparecido desde então.
Também conhecido como Doutor Asdrúbal, o militar participou, há 40 anos, da Operação Marajoara, que pôs fim à Guerrilha do Araguaia, a maior ação de resistência armada à ditadura militar brasileira. Assassino confesso de pelo menos quatro guerrilheiros, Lício Maciel permanece impune.
A denúncia do MPF segue determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em sentença de 2010, condenou o Brasil a apurar os crimes de lesa-humanidade ocorridos durante a guerrilha. Como a interpretação que o Supremo Tribunal Federal (STF) faz da Lei da Anistia, de 1979, impede que militares sejam punidos por crimes como assassinato e tortura, o MPF enquadrou o Doutor Asdrúbal pelo sequestro de Divino, considerado imprescritível.
Divino foi emboscado no dia 14 de outubro de 1973, na região do município de São Domingos do Araguaia (PA). De acordo com o MPF, ele e os companheiros André Grabois, o Zé Carlos, João Gualberto Calatroni, o Zebão, e Antônio Alfredo de Lima, o Alfredo, foram cercados quando abatiam porcos e não tinham nenhuma chance de reagir. Grabois, Calatroni e Lima foram executados na hora e Divino, sequestrado e levado com vida para a base militar da Casa Azul, em Marabá. Apesar de ferido, foi interrogado e submetido a grave sofrimento físico. Nunca mais foi visto.
Dez dias depois, Lício Maciel seria responsável pela morte da guerrilheira Lúcia Maria de Souza, a Sônia, executada imediatamente após reagir ao ataque dos militares e ferir o major no braço e no rosto. Bem antes, já havia se notabilizado pela prisão do também guerrilheiro José Genoíno, que viria a se tornar presidente do PT.
O ódio do militar pela esquerda é tamanho que, em 2005, chegou a insinuar que Genoíno foi o verdadeiro responsável pelas mortes dos companheiros, já que, quando preso, delatou como funcionavam as bases da guerrilha, mesmo sem sofrer tortura ou ameaça. “Genoino, olhe no meu olho, você está me vendo. Eu prendi você na mata e não toquei num fio de cabelo seu. Não lhe demos uma facãozada, não lhe demos uma bolacha - coisa de que me arrependo hoje”, disse ele, em discurso proferido na Câmara dos Deputados, durante sessão solene em homenagem aos militares que atuaram no Araguaia.
Tratado como um verdadeiro herói de guerra por outros militares de ultradireita, Maciel sempre se gabou de sua participação na guerrilha. “Tenho imenso orgulho de ter participado dessa luta, por ter agido positivamente para evitar que os guerrilheiros do PCdoB implantassem no país um regime comunista igual ao de Cuba, com paredão e tudo”, declarou ele, no mesmo discurso de 2005.
Em 2010, voltou a confirmar os assassinatos e prisões em depoimento à Justiça. Entretanto, disse que os guerrilheiros foram mortos em combate e se eximiu da culpa pelo desaparecimento de Divino que, segundo ele, foi devidamente entregue à base militar. Pelo menos duas testemunhas rechaçam a tese: o militar José Vargas Jimenez, que escreveu um livro sobre a repressão à guerrilha e depois confirmou as informações em depoimento oficial às autoridades brasileiras, e Manoel Leal Lima, o Vanu, que servia de guia para o grupo de militares durante a emboscada. Ambos ressaltam que os militares armaram uma emboscada para os militantes. E, ainda, que Divino foi submetido à grande tortura.
“Nessa etapa houve o deliberado e definitivo abandono do sistema normativo vigente, pois decidiu-se claramente pela adoção sistemática de medidas ilegais e violentas, promovendo-se então o sequestro ou a execução sumária dos militantes. Não há notícias de sequer um militante que, privado da liberdade pelas Forças Armadas durante a Operação Marajoara, tenha sido encontrado livre posteriormente”, esclarece a denúncia do MPF.
Memória
Divino nasceu em Goiânia, em 1942, e, em 1961, se tornou membro da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Em 1966, deixou o país, retornando um ano depois para viver na clandestinidade, na região do Brejo Grande, próximo ao Rio Araguaia. Foi nesta época que, atuando como agricultor e comerciante, passou a ser conhecido como Nunes.
Sua irmã, Terezinha Souza Amorim, afirma que a família jamais deixou de buscar a verdade sobre o que aconteceu, sem sucesso. “Em 2004, minha mãe faleceu sem ter obtido informações do Estado brasileiro sobre o que aconteceu com o Divino, após lutar até o fim da vida para o encontrar. Hoje, a minha luta e de outros familiares de mortos e desaparecidos é para que a sociedade conheça a verdadeira história, para que o estado nos esclareça o que aconteceu com nossos entes queridos e para que os responsáveis por todos esses anos de angústia e desespero sejam responsabilizados”, esclarece.
Justiça
Lício Maciel é o terceiro militar denunciado por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura. O primeiro foi justamente o seu parceiro de combate à guerrilha do Araguaia, Sebastião Curió Rodrigues, o Major Curió. A ação foi recusada pela primeira instância, mas o MPF recorreu e aguarda decisão. O segundo é o ex-diretor do DOI/CODI, coronel Brilhante Ustra.
A denúncia contra Lício Maciel foi distribuída para a 2ª Vara Federal do Pará e, desde 19 de julho, aguarda decisão da juíza Nair Pimenta de Castro.
Fonte: Carta Maior
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