ISRAEL NÃO SE CONFUNDE COM ALGUNS DOS SEUS TRESLOUCADOS ASSASSINOS

 

João Batista de Castro Júnior é professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Linguística e Cultura (UFBA).


Na alta ebulição que a declaração do presidente Lula tem ganhado, um elemento parece pouco lembrado: a perigosa manipulação diversionista que o fanatismo criminoso israelense habilidosamente executa há décadas, ou mesmo há séculos se se remontar aos Sicários, um grupo terrorista judeu que vitimava até seus próprios compatriotas com sequestros e mortes, tendo chegado inclusive a invadir Jerusalém para destruir-lhe as reservas de comida a fim de que a população fosse forçada a lutar contra o iminente cerco romano em vez de negociar a  paz. Dominados por tresvario ideologicamente homicida, os Sicários iam ao ponto de atacar cidades israelitas, tendo numa delas assassinado 700 mulheres e crianças, terminando por provocar uma guerra que quase levou, no ano 70, à extinção do povo judeu pelo exército romano, o qual eles próprios não tiveram coragem de enfrentar na fortaleza de Massada, preferindo covardemente o suicídio coletivo. 

Esses episódios sangrentos e desumanos não se confundem com a cultura judaica, que, por força do Cristianismo sincero voltado para as Escrituras Sagradas, e não por causa do “cristianismo político” implementado inquisitorialmente pela Roma dos Papados, sempre gozou de alto prestígio – um tanto romântico, é verdade – no Brasil. Todavia, no excesso fantasioso, que muitas vezes confunde Israel bíblico com membros ensandecidos do Estado de Israel, reside a desatenção para com uma parcela fanática, delirante e feroz de sectários extremistas judeus ao longo da história. 

Ontem e hoje esse extremismo com repiques terroristas continua a manchar a reputação do povo judeu. Ainda ressoa na memória histórica mundial o assassinato do ministro anglo-irlandês Walter Edward Guinness, Lord Moyne – amigo pessoal de Winston Churchill, o qual, ao que parece, já chegara até a se declarar sionista –, numa emboscada no Cairo em 6 de novembro de 1944 pelos terroristas Eliyahu Bet-Zuri e Eliyahu Hakim, do grupo judeu “Lehi”: Moyne, ao chegar em casa, recebeu um tiro no pescoço, na clavícula e na mão ao sair do carro. Os assassinos, que também mataram seu motorista, foram capturados e enforcados no Egito, não sem antes o episódio criar ondas de choque na Palestina e desfazer a aliança entre o governo britânico e a Agência Judaica. 

A conduta de certas autoridades judaicas acumpliciadas, que a princípio pareceram se distanciar dos dois terroristas, se revelou nitidamente anos mais tarde: os corpos de ambos foram trocados com o Egito, em 1975, por vinte reféns de Gaza e Sinai. Israel, mesmo sob fortes protestos do governo britânico, deu aos dois honras militares no funeral e um lugar na Galeria do Heroísmo em Jerusalém (“Jerusalem Hall of Heroism”), que foi frequentado até pelo general e primeiro-ministro Yitzhak Rabin.

Não demorou a que o próprio Rabin, que subestimou o radicalismo homicida dos ultraortodoxos do seu país, se tornasse vítima do mesmo extremismo pelas mãos do israelense Yigal Amir, que o assassinou, em novembro de 1995, com três tiros nas costas em protesto contra os Acordos de Oslo, que buscavam o processo de paz israelense-palestino com uma plataforma que poderia ter dado interconvivência pacífica ao Oriente Médio, sinalizada nas sábias palavras ditas incisiva e muito corajosamente por ele em certo momento do seu discurso de recebimento do prêmio Nobel da Paz em 1994: “Cemitérios militares em todos os cantos do mundo são um testemunho silencioso do fracasso dos líderes nacionais em salvar a vida humana”.

Tolice pensar que Amir fosse um solitário atirador do tipo Lee Osvald. Segundo o diretor de cinema isralense Amos Gitaï, crítico de Netanyahu e responsável pelo documentário “O Último Dia de Yitzhak Rabin”, que chegou ao Brasil no final do ano passado, os homens por trás da morte de Rabin continuam por aí...

Foi contra esse tipo histórico de fanatismo assassino, impiedoso e com ideias e ações que resultam em genocídio, que Lula fez sua declaração, fanatismo a que manifestamente aderiu Bibi Netanyahu, um político que tenta retirar o foco da acusação de ser corrupto e de ter planejado reduzir os poderes legais da Suprema Corte israelense, um homem que, ao fim e ao cabo, com seus gestos, termina estimulando contraproducentemente o antissemitismo num mundo às vezes pouco atento em distinguir entre o povo judeu e alguns dos seus poucos indivíduos de mentalidade sanguinária. 

No seu alucinado desvario, Netanyahu não se deu ao trabalho nem de disfarçar suas predileções, cercando-se dos piores extremistas no seu governo, a exemplo do seu ministro do patrimônio, Amichay Eliyahu, que afirmou, em entrevista à Rádio Kol Berama, uma estação de rádio religiosa israelense, que o uso de uma bomba nuclear contra a Faixa de Gaza “é uma opção”, ou da ministra da Igualdade Social e Empoderamento Feminino de Israel , May Golan, que declarou esta semana estar “orgulhosa” da destruição deixada em Gaza.  

São esses indivíduos de tempos passados e atuais, portanto, que têm merecido a mais dura reprovação de judeus de alta lucidez intelectual, a exemplo do notável pedagogo e filósofo franco-judeu Edgar Morin, que, em 2002, publicou em coautoria, no “Le Monde Diplomatique”, um artigo intitulado Israël-Palestine: le cancer ("Israel-Palestina: o câncer"), em que a certa altura diz: "Os judeus de Israel, descendentes das vítimas de um apartheid denominado ghetto, guetificam os palestinos. Os judeus que foram humilhados, desprezados, perseguidos, humilham, desprezam e perseguem os palestinos. Os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem sua ordem impiedosa aos palestinos. Os judeus, vítimas da desumanidade, mostram uma terrível desumanidade." (“Les juifs d'Israël, descendants des victimes d'un apartheid nommé ghetto, ghettoisent les palestiniens. Les juifs qui furent humiliés, méprisés, persécutés humilient, méprisent, persécutent les palestiniens. Les juifs qui furent victimes d'un ordre impitoyable imposent leur ordre impitoyable aux palestiniens. Les juifs victimes de l'inhumanité montrent une terrible inhumanité”).

Lula, que já esteve em Israel e reverenciou o Museu do Holocausto e o Muro das Lamentações, será então historicamente lembrado por ter atacado, de modo certamente explosivo, a muralha discursiva construída com muita habilidade pela prestidigitação retórica de alguns israelenses ensandecidos pelo ódio, que, mesmo responsáveis por matar mais de 10 mil crianças palestinas, se aproveitam ideologicamente do histórico sofrimento dos judeus nas mãos abomináveis de Adolf Hitler para atenderem a seus instintos mais sanguinários com resultado genocida.  

Foi contra essa gente que Lula falou e não deve retirar uma vírgula do que disse. Essa mesma gente que um dia foi chamada de “cobras venenosas! Raça de víboras!” que “receberão o castigo por todas as pessoas inocentes que os antepassados de vocês mataram, desde o justo Abel até Zacarias, filho de Baraquias, o qual vocês mataram entre o santuário e o altar” (Mt, 12:33). 

Vitória da Conquista, Bahia, 23 de fevereiro de 2024. 


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