Literatura de Cordel "Guanambi já teve muito lubizone"


                                                                           João Augusto

Em agosto de 60,
Do século que se passou,
Eu fui para Guanambi,
Com a família, que morou
Por lá, bem uns quinze anos,
E nela se aclimatou.

No início daquele ano,
Devido à grande cheia,
Ceraíma se quebrou
E a coisa ficou feia,
Pois inundou Guanambi,
E deslocou muita areia

Tinha eu meus 9 anos,
Quando cheguei na cidade,
E na casa onde vivia,
Grande era a felicidade,
Pois a Lagoa, no muro,
Deixava sua umidade.

Pra começar, lhes confesso
Que tenho horror à mentira,
Por exemplo, pescador
É motivo de minha ira,
Pois se pesca uma piaba,
Diz que é grande traíra.

Por isso é que aqui eu conto
Somente a verdade pura;
Quando não vejo, eu confio
Na decência e na lisura
Da gente com quem converso
E lê minha literatura.

Desde menino, eu falava
Com o povo de mais idade,
Sentado em porta de venda,
Na feira, ou bar da cidade,
Pra poder satisfazer
Minha curiosidade.

Em Guanambi me contaram
Coisas de arrepiar,
A exemplo dos lubizones,
Conhecidos por virar,
De homem em bicho feroz,
Sempre em noite de luar.

Foram muitos desses bichos
Que surgiram em Guanambi,
Segundo pessoas várias
Com quem pude conferir,
Finado Quinca Barrão, por exemplo,
Não vai me deixar mentir!

O primeiro lubizone
Surgiu lá do outro lado
Da Lagoa, onde se via
Um bonito povoado,
Que tem o nome de Brindes,
Nome muito bem botado.

Na noite a lua era cheia,
E o dia era sexta feira;
De longe, eu ouvi os urros,
Nos Brindes, com tal zoeira,
Que o povo fechou as portas
E as escorou com madeira.

Tal lubizone eu não vi,
Mas o rastro, com certeza,
Era dele, pois Penhén
Conhecia com clareza,
E me disse: "Amigo João,
O bicho é uma fortaleza".

Na cidade se dizia
Que aquele que virava,
Em lubizone, era um cara
Que em Guanambi chegava,
Sempre  com a lua cheia,
E, logo após, viajava.

Bem perto de meia noite,
Ele corria apressado,
Indo direto pro mato,
Onde era transformado
Num bichão cheio de pelo,
Pulando pra todo lado.

Daí passava a correr,
Porque tinha de passar,
Em sete pátios de igrejas,
Antes da noite acabar,
Correndo contra o tempo,
Pra poder desencantar.

Depois, pra perder os pelos,
Fazia que nem jumento:
Espojava várais vezes,
Sempre em fortes  movimentos,
E após limpar a poeira,
Repousava algum momento.

Este foi só o primeiro
Que os mais velhos confirmaram,
Porque, desde muito tempo,
Os lubizones chegaram,
Atraídos pela lua,
Com que muito se encantaram.

Em conversa com Batuque,
Ele disse, amedrontado,
Ter visto a tansformação
De um rico engravatado,
Por isso ele entrou ligeiro
Em sua casa, apavorado.

Afirmou que os cachorros,
Quando o viram, foram atrás,
Mas o bichão desviava
Dos ferozes animais;
Batuque, enquanto falava,
Fazia pelos-sinais.

Chico Satélite, também,
Me disse que encontrou
Na estrada do Cascalho,
Um importante senhor,
Que em dia de lua cheia
Em lubizone virou.

Me falou até quem era,
Mas não digo pra vocês,
Pois não gosto de fofoca,
E agora não é vez
De intrigar com família
De gente que só bem fez.

Quem se vira em lubizone,
Não tem culpa nem delito
Pois o bichão não é réu,
Nem é feio nem bonito,
É coisa da natureza,
Por isso não tem conflito.

Um dia, lá em Durico,
Antes do aperitivo,
Dr Luia, inda bem novo,
Falou em definitivo,
Que só vira lubizone
O sujeito hiperativo.

"Muito bem observado",
Emendou Dr. Tancredo,
Que disse ter visto um,
Numa plantação de bredo,
Mas pra falar a verdade,
Quase se urinou de medo.

Pro lado do Lajedão,
Vi muita gente dizer
Que um arranhou as portas
E, urrando pra valer,
Espantou muitos cachorros,
Que o puseram pra correr.

Ali na Pedra de Ném,
Pitucha uma vez me disse,
Que um lhe apareceu,
E ele foi dizendo: -Vixe!
E jogou na cara dele
Um vaso cheio de pixe.

Quinca Barrão e Pneu,
No bar de Sinhô Teixeira,
Me falaram de um bichão
Que saiu  em corredeira
Da casa de Jardilina,
Em noite de sexta feira.

Eles foram bem depressa,
Para a beira da Lagoa,
Mas o bichão foi atrás
- Ele não corre, ele voa-
Daí eles mergulharam,
Pra não se ferirem à toa.

Perto da Rua dos Porcos,
Dr. Marlindo viu um,
Mas ele pediu segredo,
Porque não era comum,
Menino ir naquelas bandas
Sem interese nenhum.

Se eu fosse ficar lembrando,
Dos lubizones que vi,
Não só aqui na  Bahia,
Mas também fora daqui,
Falaria o dia todo,
E ninguém ia dormir.

Mas vou dizer uma coisa,
Sem nenhum medo de errar:
Lubizone tá em todo,
Pequeno ou grande lugar:
Tá nos Estadozunido,
No Iraque e em Mianmar;

Na Bélgica, na Indonésia,
Caetité e Guirapá;
Na Lagoa da Espera,
Maniaçu, Ipirá,
São Paulo, Buenos Aires,
Boa Vista, ou BH.

Termino agradecido,
E peço a quem prestigia
Nosso cordel nordestino
Que o povo todo aprecia,
Pra cuidar dos lubizones
Em toda nossa Bahia.

Salavador-Ba, janeiro de 2020

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