Articulação Semiárido Brasileiro – ASA: Por Um Semiárido Vivo!
A Articulação Semiárido Brasileiro – ASA, rede plural e que organiza uma parcela expressiva da sociedade civil com atuação no rural brasileiro, envolvendo os 9 estados do NE e Minas Gerais, traz ao debate público, para candidatos e candidatas em todas as esferas, reflexões e propostas para o desenvolvimento social, ambiental, ecológico e economicamente sustentável e participativo da região semiárida. Ações que excluam definitivamente a corroída política do combate à seca e incluam, através da convivência com o Semiárido, a população de mais de um milhão e setecentas mil famílias que vivem neste rico e imenso território. As propostas aqui apresentadas têm como objetivo primeiro, contribuir para combater a fome com o restabelecimento de políticas públicas adequadas e a ampliação de ações para a garantia permanente da convivência digna, sustentável e plena com o Semiárido.
É do conhecimento de todas e todos que o Semiárido alcançou, especialmente nos governos Lula e Dilma, melhoria na qualidade de vida para seu povo. Constata-se, inclusive, que as estiagens desta última década não levaram as pessoas a migrar de seus lugares e nem provocaram registros de mortes humanas. Quando nos perguntamos sobre as raízes deste processo de mudança de vida, nos deparamos com as ações de convivência com o Semiárido, ao invés do combate à seca. Optou-se, deste modo, pela alimentação adequada e saudável, pela cultura do estoque, pelas cisternas, pelas sementes crioulas, pela participação popular ativa na concertação de políticas públicas e por outros processos que significaram partilha de bens e poder, no lugar de sua concentração.
A partir do golpe de 2016, o governo Temer e, principalmente, o atual Governo Federal, optaram, no entanto, pelo desmonte de políticas públicas, processos e programas que traziam consigo uma base de sustentação da vida para as populações.
No conjunto dos desmontes, ações reconhecidas e premiadas por seu potencial de garantir acesso à água, segurança alimentar, produção e consumo de alimentos saudáveis e combate aos processos de desertificação, foram interrompidas, contribuindo para o retorno do país ao mapa da fome. São exemplos: o Programa Cisternas, o Programa de Sementes, o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA/Compra Simultânea e o Bolsa Família. Recente pesquisa da Rede PENSSAN nos coloca ante questões revoltantes: são 33,1 milhões de famintos no Brasil, dos quais 12 milhões na região Nordeste. Constata-se igualmente que a insegurança hídrica tem uma relação direta com insegurança alimentar das famílias, sobretudo aquelas que vivem nas áreas rurais.
Somos chamados a desconstruir este retrato de miséria e reimplantar aquele do respeito à vida.
Para a retomada da construção do bem-viver no Semiárido, em especial para os povos que vivem no meio rural, agricultoras e agricultores familiares e camponeses, povos indígenas e quilombolas, e comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, caatingueiras, geraizeiras, vazanteiras, ribeirinhas, pescadoras, quebradeiras de coco, povos de terreiros e outros, a ASA propõe:
I. A retomada imediata dos programas de acesso à água, sementes crioulas e compras públicas.
a) Água para consumo humano: Com os programas Fome Zero e Água para Todos, foram construídas mais de 1 milhão e 200 mil cisternas de 16 mil litros para consumo humano. Uma revolução que democratizou, desconcentrou e disponibilizou o acesso à água no semiárido. Movimento oposto àquele do hidronegócio, das concentrações e privatizações. Mas ainda é preciso a implementação de no mínimo 350 mil tecnologias sociais para famílias que não possuem acesso à água de qualidade para beber;
b) Água para produção: Neste mesmo esforço, foram instaladas 207 mil tecnologias de captação e manejo de água de chuva para produção de alimentos, programa de segunda água, que garante a produção sustentável e agroecológica de alimentos e abastecimento das comunidades locais. Sem este programa, a fome seria ainda mais cruel na região. Para contribuir na erradicação da fome, ampliando a produção de alimentos agroecológicos, é necessária a construção de mais 800 mil tecnologias de segunda água, ação que deve estar associada a recursos para o fomento produtivo e assessoria técnica agroecológica de famílias e comunidades camponesas;
c) Água nas escolas: Temos mais de 7 mil escolas abastecidas com cisternas. Precisamos garantir que todas as escolas rurais sejam equipadas com cisternas e outros implementos que viabilizem o ano letivo das escolas rurais;
d) Sementes do Semiárido: Temos aproximadamente 1 mil casas comunitárias de sementes nativas e crioulas. Para garantir autonomia na produção destas sementes, é necessária a instalação de mais 3.000 casas comunitárias, uma média de 3 casas por município;
e) Compras públicas: Retomada do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), especialmente aquele de doação simultânea, por unir campo e cidade, agricultores/as e comunidades em insegurança alimentar. Reforçar o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), especialmente no aumento do seu valor per capita, e criar/ampliar/reforçar modalidades de compras coletivas e distribuição local;
f) Agroecologia e Soberania Alimentar: Retomada do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) e o Plano Nacional de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN), garantindo ações específicas para as mulheres do campo, das águas e das florestas, tais como fomento para quintais produtivos.
A perspectiva e as práticas acima delineadas deixam claro que o caminho da sustentabilidade e da vida no Semiárido está no cuidar, repartir e democratizar as águas e os demais bens comuns, ao invés de privatizá-los e transformá-los em mercadoria.
II. A constituição de novas estratégias e políticas de convivência com o Semiárido.
a) Reforma Agrária. Não há convivência com o Semiárido sem terra para trabalhar, produzir, reproduzir e viver. É urgente e essencial a implementação de uma Reforma Agrária Popular apropriada às condições socioambientais do Semiárido. Deste modo, na linha da democratização e desconcentração das águas, está a democratização e desconcentração das terras.
b) Regularização e cuidado com terras e territórios. Demarcação, regularização de terras e territórios dos povos indígenas, quilombolas, povos tradicionais e agricultores e agricultoras familiares e camponeses, protegendo-os fortemente dos megaempreendimentos de energia, mineração, agronegócio, madeireiros e outros, que violam seus territórios e direitos. Nos posicionamos contra o Marco Temporal.
c) Avançar no saneamento rural. Implementação de 200 mil sistemas de coleta e tratamento de esgoto e reúso de água. A experiência da ASA demonstra que ampliar a oferta de águas para usos múltiplos (banho, lavar roupa, lavar louça, etc.), também amplia a produção de alimentos saudáveis pelos/as agricultores/as, através da reutilização dessas águas nos sistemas produtivos e agroecológicos e na recuperação de áreas degradadas. É fundamental implementá-lo com significativa participação popular.
d) Programa de proteção e revitalização da caatinga e do cerrado. 1 milhão de hectares de áreas recuperadas. As mudanças climáticas atingem fortemente as áreas semiáridas. A mitigação dos efeitos dos eventos climáticos extremos advindos delas é essencial para a convivência e a vida no Semiárido e a produção de alimentos para os humanos e os animais. O cuidado com esses biomas, a revitalização da caatinga e do cerrado e o recaatingamento se dão, especialmente, a partir da concepção e práticas agroecológicas associadas a outras práticas de conservação, preservação e recuperação.
e) Produção descentralizada, desconcentrada e democrática de energia. A energia hoje produzida no Semiárido é de forma concentrada e não democrática - no produzir e no apropriar-se dos resultados. Autodenomina-se energia limpa, mas não o é. Desconsidera e retira direitos de indígenas, quilombolas, agricultores e agricultoras e povos do Semiárido. Violenta suas vidas e de suas comunidades. É urgente garantir estudar e implementar um modelo descentralizado e democrático. Propomos o Programa Um Milhão de Telhados Solares, para garantia de geração de renda e de energia socialmente justa e descentralizada, a partir dos mesmos tetos que já captam água de chuva.
f) Combate à Violência contra as Mulheres: Atualização e implementação do Plano Nacional de Combate à Violência contra as Mulheres do campo, das águas e das florestas. É necessário garantir o pleno funcionamento do sistema protetivo nos municípios do Semiárido brasileiro, assegurando a vida das mulheres.
g) Educação contextualizada para a convivência com o Semiárido: assessoria às escolas do campo e das cidades para a construção e implantação de planos políticos e pedagógicos que contemplem conteúdos interdisciplinares de convivência com o Semiárido e Agroecologia na perspectiva da educação contextualizada, envolvendo toda a comunidade escolar no processo e garantindo formação permanente para educadores e educadoras em conteúdos e metodologias relacionadas.
A ASA, integrante da Conferência Popular de Segurança e Soberania Alimentar e do Observatório da Alimentação Escolar, endossa, assina e se compromete com as propostas e declarações emitidas por estes Coletivos, com vistas a um país com dignidade e soberania e segurança alimentar e nutricional para todos os seus habitantes.
Para efetivação destas estratégias e ações se faz necessário que o poder executivo retome o controle e coordenação do Orçamento Geral da União (OGU), hoje uma peça de barganha e, na região semiárida, instrumento de manutenção das políticas coronelistas e de combate à seca, que fomentam o agro e hidronegócio.
É preciso rediscutir e mesmo revogar o que ficou conhecido como “orçamento impositivo” e “orçamento secreto”.
Estas ações e estratégias não se implementarão sem a revogação, urgente, da EC 95/2016, que congela investimentos sociais.
De igual modo é necessário a reconstituição da participação popular na gestão pública através de Conselhos, Comissões e outros instrumentos. Destacamos o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo).
Ainda no campo do financiamento, será essencial a participação dos bancos, entre eles o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste e Banco do Brasil (a partir de sua Fundação); da Sudene, da Petrobras, da Embrapa e outras, ampliando-se a estratégia para o diálogo com organismos internacionais e de cooperação, a exemplo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e, de forma especial, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) que tem forte ação de investimento junto aos governos do Nordeste com ações de combate à pobreza rural e convivência com o Semiárido.
Na certeza que necessitamos e teremos dias melhores, a ASA conclama a sociedade e as forças progressistas e comprometidas com um Semiárido de vida a construir um diálogo franco e aberto na implementação das propostas aqui apresentadas.
Da nossa parte, estaremos empenhados em apoiar efetivamente a construção de mandatos no executivo e legislativo comprometidos com esta agenda, a partir da nossa ação municipal, estadual e nacional.
É no Semiárido que a vida pulsa,
É no Semiárido que o povo resiste!
Articulação Semiárido Brasileiro – ASA
Natal, Rio Grande do Norte, 15 de junho de 2022.
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