MIGRAÇÃO DE REGIME: O PLANO PARA VALIDAR A CONDENAÇÃO DE LULA

João Batista de Castro Júnior. Professor do Curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia, campus Brumado. 



Joel Candau, professor de antropologia na Universidade de Nice-Sophia, na França, noticia, em sua obra Anthropologie de la mémoire, ter realizado, em 1995, pesquisa com 81 estudantes, cujos resultados demonstraram profundidade da memória genealógica de 2,64, ou seja, inferior a três gerações. Isso significa que, indagados, muitos entrevistados não souberam lembrar nomes de todos os avós paternos e maternos, muito menos de bisavós.  
No mundo contemporâneo, em que a satisfação massiva dos sentidos arrasta aos milhões a humanidade, despreocupada com o que vai acontecer no futuro com suas práticas alimentares e de agressão ambiental, e menos ocupada ainda com o passado histórico, essa cultura da instantaneidade recursiva joga um papel paralelo importante tanto no aprisionamento de Lula quanto no seu encarceramento medieval sem direito a visitas, apesar do texto expresso da Lei de Execução Penal.

A interdição de entrevistas, validada em última instância por Luiz Fux num gesto de ilegalidade monstruosa e imperdoável, surtiu seu efeito por tirar o ex-Presidente de mobilizar seu arsenal retórico durante as eleições.  O plano num nível maior, contudo, era progressivamente fazer esquecer sua inocência, valendo-se dessa fugaz instantaneidade que contamina as mentes modernas pouco propensas a elaborações mais detalhadas.

Não, Moro não tem nenhum aparato intelectual para montar essa estratégia que, em alguns momentos, teve certa funcionalidade. As eminências pardas por trás dela, que ainda precisam ser expostas mais nitidamente, articularam com a tecnologia de informação atual uma tática condenatória que remonta a Roma imperial, a damnatio memoriae, ou “condenação da memória”, que, no Direito Romano, era uma sanção que buscava apagar a memória de alguém, como se jamais tivesse existido.

São numerosos os exemplos históricos, inclusive na história das ciências, do uso da damnatio memoriae para apagar méritos e atirar ao túnel do esquecimento certas personalidades. A mais nova atualização dessa tática consiste em fazer o ex-Presidente aparecer com beneficiário de um regime prisional mais ameno, mas capaz de fazê-lo carregar para sempre o estigma da culpa formada e inquestionável, em substituição definitiva de qualquer cogitação de inocência.

Outro efeito antimemorial é debilitar a chamada Vaza Jato produzida por The Intercept, que, pela sua dimensão, deveria resultar na prisão de Moro e Dallagnol por usarem a sacralidade da função pública para mentir, forjar convicções sem provas e fazer articulações político-partidárias, o que lhes é rigorosamente proibido, tudo à custa do dinheiro do contribuinte. Muito escandalosamente, entretanto, Sérgio Moro finge que não lhe dizem respeito as revelações, escondendo-se no discurso de acesso ilegal às suas mensagens, parecendo esquecer que ao servidor público não é dado esquivar-se de justificar o mau uso das atribuições, mau uso que a propósito ele criminosamente fez com efeito devastador num ato de ilicitude bem maior ao promover a divulgação de áudios da presidente da República, cargo que está acima de sua alçada jurisdicional.

Em síntese: por estarem encurralados na sua imoralidade criminosa é que o ex-juiz federal e sua claque do MPF estão mobilizando esse plano B de migrar Lula do regime prisional fechado para o semiaberto. É a mais nova farsa diversionista para tentar desidratar o escândalo da conduta judicial de Moro no comando da Lava Jato e esvaziar a crescente indignação contra uma sentença condenatória proferida por um juiz vergonhosamente suspeito.

Vitória da Conquista, 30 de setembro de 2019. 

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