Neto de Nelson Rodrigues quer levar obras criadas pelo avô para Hollywood

POLÍTICA LIVRE 

Foto: Reprodução
Nelson Rodrigues
Maurício Mota se mudou de Vitória da Conquista, na Bahia, para o Rio de Janeiro em 1989, aos dez anos. Acompanhado da mãe, a professora e autora Sonia Rodrigues, e do pai, o geofísico Ubirajara Mota, ele sabia que o pai de sua mãe era alguém que escrevia, mas não fazia ideia da importância do parente morto em 1980. “Foi quando descobri que meu avô materno era Nelson Rodrigues”, diz.
Além do orgulho, Mota teve uma sensação esquisita. “Como Nelson Rodrigues havia feito tudo e precisou ralar tanto? Por que minha mãe precisa jogar nas 11 posições e não consegue pagar as contas com a escrita?”, questionou. “Isso definiu minha carreira.” Depois de ter dissecado os processos da indústria cultural, ele está cada vez mais perto de conseguir dar vazão à obsessão da infância.
Desde que se mudou para Los Angeles, há sete anos, passou a visitar e estudar o espólios de escritores como Agatha Christie, J. R. R. Tolkien e John Le Carré para pavimentar o potencial da marca Nelson Rodrigues na principal indústria de entretenimento. “É um processo demorado. Não adianta querer ser arrogante e achar que todo mundo conhece”, afirma Mota, que diz ser só “um produtor normal” ao adaptar as obras do espólio, presidido por sua mãe. “O objetivo é proteger a obra e manter a relevância. Será uma vitória deixá-lo ainda mais importante daqui a 40 anos. Só descobriremos novos Nelson Rodrigues se as pessoas lerem Nelson Rodrigues.”
Maurício Mota lembra o chamado universo cinematográfico da Marvel como grande inspiração. “O processo de construção é o mesmo da visão da Marvel. Desenhamos e estudamos tudo”, conta ele. A ideia é adaptar várias obras do “Rodriguesverso” ao longo dos anos. O pontapé inicial dessa invasão será a adaptação de “O Beijo no Asfalto”, peça escrita por Rodrigues em 1960. A atriz Viola Davis será coprodutora do projeto após uma negociação que durou um ano e meio. “Ela não conhecia o texto, mas foi incrível ver sua reação à medida que lia o roteiro. Temos uma atriz que só pode ser comparada, hoje, à Meryl Streep”, afirma ele. O projeto inclui uma peça para ser encenada em 2020, possivelmente no Mark Taper Forum, em Los Angeles, e uma transposição para filme ou minissérie. “Não é à toa que ‘O Beijo no Asfalto’ foi escolhido. É atual, fala sobre fake news e homofobia”, diz. Mas o percurso até chegar a Viola Davis não foi curto.
Mota se formou em publicidade no Rio, há 20 anos, e com a mãe, criou o “Autoria”, jogo que estimula a escrita criativa baseado em RPG. Começou vendendo o produto em escolas até virar um fenômeno. A iniciativa de usar RPGs como instrumento educacional rendeu um convite para Mota participar de uma conferência em Nova York, aos 21 anos. “Voltei para o Brasil para me dedicar ao futuro da narrativa”, diz ele, que logo criou uma série interativa online para acompanhar o programa “Os Maias”, da Globo.
O trabalho pioneiro em transmídia –que se espraia por várias plataformas– chamou a atenção do Massachusetts Institute of Technology, que chamou Mota para um evento de duas semanas em Boston, em 2007, chamado Futuros do Entretenimento. “Fiquei num laboratório de mídia conversando e estudando ‘Harry Potter’, ‘Star Wars’ e a cultura dos fãs. Os americanos não têm um décimo da nossa imaginação, mas compensam com método e processo. Por isso que dominam a cultura pop”, diz.
Na ocasião, Henry Jenkins, um dos pais da transmídia, começou uma parceria com Mota que rendeu ao brasileiro não só a possibilidade de ter um mentor de prestígio. “Ele me apresentou Katie”, diz Mota. A diretora Katie Elmore buscava alguém para criar conteúdo para uma plataforma especializada no mercado latino. Mesmo com ela no estado americano de Vermont e ele em São Paulo, os dois se apaixonaram e se casaram.
Eles criaram uma empresa de entretenimento pioneira em Los Angeles. A Wise Entertaiment surgiu para produzir conteúdo visual para minorias. O protótipo do experimento foi “East Los High”, uma série protagonizada e escrita só por latinos. Na época, a indústria cinematográfica americana não havia se atentando para o crescimento daquele público. “Um dos maiores agentes da televisão me falou que a série nunca veria a luz do dia, pois o mercado americano não estava pronto”, lembra.
Foram mais dois anos e meio angariando recursos até filmar 24 episódios de 30 minutos cada um. “Fizemos o contrário do que todo mundo nos aconselhou”, brinca Mota, em seu escritório em Santa Monica, nos arredores de Los Angeles. “Katie era a showrunner e ganhava US$ 100 por semana. Eu não ganhava nada. Um ator chorou quando leu o roteiro e viu os protagonistas latinos.”
“East Los High” recebeu proposta de diversas emissoras, mas a Wise fechou com o serviço de streaming Hulu para estrear em 2013. “Foi a pior oferta, mas os outros canais queriam como série de gueto, em horários em que ninguém vê, e eu sabia que o consumo de audiovisual em celular estava crescendo”, diz Mota.
Inédita no Brasil, foi renovada para a segunda temporada com duas semanas no ar. Em cinco temporadas –acabou em 2017–, foi indicada a cinco prêmios Daytime Emmy.
Com a obra do avô, os desafios são outros. “Será um processo meticuloso, porque abrirá as portas para outros projetos. Nelson Rodrigues tem muito a ensinar ao mercado americano sobre sexualidade. Estamos mostrando como uma propriedade intelectual brasileira pode ser traduzida para Hollywood.”
Folhapress

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