ARMANDO AVENA: E A LAMA COBRIU O BRASIL

BAHIA ECONÔMICA 

ARMANDO AVENA:  E A LAMA COBRIU O BRASIL      
Quando a lama chegou à foz do Rio Paraopeba, quase duas centenas de pessoas já estavam mortas e ainda havia desaparecidos, mas ela continuou seu caminho e parecia impossível detê-la. Todos temiam que a lama chegasse ao Rio São Francisco, o rio da integração nacional, mas, sem aviso, contrariando os laudos que afirmavam estar tudo bem, ela tomou um atalho em direção ao Planalto Central, invadiu a BR – 040 e se pôs a caminho de Brasília. A Vale, empresa responsável pelo desastre, garantiu que a lama não chegaria a capital do país, anunciou que colocaria barreiras impedindo-a de prosseguir e que todas as outras barragens que continuavam se rompendo seriam desativadas. E de quebra, e para acalmar os ânimos, deu 100 mil reais a cada família que tivesse um morto ou desaparecido, como se a dor pela perda de pai, mãe, filho ou sobrinho pudesse ser consolada com  alguns trocados.
A empresa mobilizou a imprensa, seus diretores solidarizaram-se com as vítimas, deram declarações pomposas e garantiram que aquilo jamais voltaria a ocorrer.  Ninguém acreditou, todos já sabiam que a tragédia quando se repete transforma-se em farsa. Mas os diretores da empresa, ciente da impunidade e de que em breve suas ações na Bolsa voltariam a subir, e com elas seus salários monumentais, acreditaram que a situação estava resolvida. Foi então que perceberam que a lama já havia chegado a Brasília e, avançando pelo pelo Eixão, agora se espalhava pela Esplanada dos Ministérios. Quando chegou a Praça dos Três Poderes, a lama invadiu o Palácio da Justiça e não adiantou os magistrados garantirem que obrigariam a empresa a pagar as multas da outra tragédia – e nenhuma delas tinha sido paga – ou prometerem que as famílias seriam indenizadas após três anos de espera, pois a essa altura cada gabinete da corte estava repleto daquela gosma que misturava descaso e incompetência com os dejetos das mineração.
A lama já havia encoberto “A Justiça”, a escultura de Alfredo Ceschiatti que, impávida e cega, dominava o prédio do Supremo Tribunal Federal, quando atingiu o Congresso Nacional e entrou pela chapelaria, como se parlamentar fosse, invadindo cada gabinete, especialmente aqueles cujos ocupantes eram financiados pelas mineradoras, para finalmente espraiar-se pelo plenário da Câmara e do Senado, onde as regras que exigiam investimentos em segurança e proteção às pessoas e ao meio ambiente não eram aprovadas e onde se vetavam as leis que responsabilizavam as grandes mineradoras. A câmara alta e a câmara baixa já estavam cobertas de lama quando a onda chegou ao Palácio do Planalto. E não adiantou o governo prometer um novo marco da mineração, aplicar multas milionárias na empresa dolosa  e garantir que endureceria nas licenças ambientais, pois logo a mancha marrom tomou as colunas do Palácio do Planalto, subiu a rampa e encheu o parlatório como se quisesse discursar para o país.
A lama parecia íntima  do Palácio, afinal ali já havia um barro  antigo, escuro e sólido, cozido nas caçarolas da corrupção, formando um aluvião estranho, uma mistura de presidentes e presidentas,  empresas estatais, empreitaras corruptas, doleiros e dirigentes de partidos. O governo recém empossado protestou avisando que mal havia chegado ao prédio e que a argila corrupta vinha de outros tempos, mas já haviam pegadas de um barro estranho na periferia familiar do novo poder e talvez a lama já tivesse passado por ali. O povo assistiu a tudo de longe e viu quando a Esplanada dos Ministérios cobriu-se de barro e a Praça dos Três Poderes submergiu baixo a onda de dejetos. Foi quando, do alto da torre de televisão de onde se avista Brasília, uma criança gritou desconsolada: A lama cobriu o Brasil.

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