Escola sem partido, negação da escola pública, universal, gratuita e laica

UnB Notícias.
João Augusto de Lima Rocha

            Escola sem partido não é mais que uma questão deliberadamente mal colocada, para nos desviar do aspecto central, enraizado na formação estruturalmente elitista e escravista que perpassa a história brasileira, até os nossos dias, que é a negação, velada, ou não, de um direito democrático elementar, a saber, educação pública gratuita e laica para todos, pelo menos em seus primeiros níveis.
            Portanto, o ideário do movimento Escola sem Partido, agora colado nos retrocessos anunciados pelo atual governo, é o aspecto externo, escandaloso, porém não essencial, de uma questão cultural fortemente incrustada na sociedade brasileira, que nunca abandonou a compreensão, anterior à Revolução Francesa, de que a  educação de qualidade tem de se conservar como um privilégio de poucos.
            Esse tema mereceu exame acurado na obra clássica de Anísio Teixeira, intitulada Educação não é privilégio, aparecida em 1957, para a qual remeto os interessados em se aprofundar. É conveniente enfatizar, nesse ponto que, mesmo se plenamente obedecido o princípio constitucional de que a educação é “direito de todos e dever do Estado”, ainda assim não se obedeceria, necessariamente, ao princípio, também essencial à democracia, enunciado por Anísio como  “educação não é privilégio”.
            Na famosa Escola Parque, inaugurada em Salvador em 1950, Anísio fez o contrário: era eleito um prefeito da Escola, entre os alunos, com campanha eleitoral acirrada entre os 4 000 que lá estudavam, isto é, não era uma escola sem partido, mas, ao contrário, uma escola com cem partidos! Para Anísio, é a escola pública universal de qualidade que traz e consolida a democracia.
            Claro que é extremamente chocante e deplorável a ideia explicitada pelo movimento Escola sem Partido de colocar uma placa na porta de cada escola contendo prescrições a que cada professor deva obedecer, sob o risco de os alunos os  denunciarem como sediciosos à “justiça” das milícias protofascistas que acabam de abocanhar o poder em nosso país. Por conta de conter orientações indefensáveis e inaplicáveis, na prática, diante do que a humanidade tem, secularmente, como conceito de escola, o movimento Escola sem Partido é concebido, propositalmente, para não ser aplicável, porque escola sem liberdade é um contrassenso, e parece que seus seguidores o defendem exatamente com a intenção de que inviabilize a escola pública!
            Se as propostas do movimento porventura passassem, no Legislativo e no Judiciário, a obrigatoriedade de sua aplicação não seria perniciosa somente por conta do aspecto fascistizante da essência explicitada do movimento. O mal maior é que seria absolutamente impossível à escola pública aplicá-lo, numa fase em que a internet coloca os alunos em contato direto com a complexidade do mundo, e o movimento quer restringir a atuação da escola a incutir nos alunos as crenças limitadas das famílias.
            Diante disso, a inaplicabilidade das posições retrógradas pretendidas contribuiria para que a escola pública fosse considerada ineficiente, o que se somaria aos ataques e às restrições que ela vem sofrendo por toda a história errante de nossa vida democrática.

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