É preciso repensar a educação no Brasil




DIEGO RICOY
Diego Ricoy é historiador e professor. Semanalmente apresenta o programa Na Sala do Prof. Ricoy no YouTube, em seu canal (Professor Ricoy)
247 BRASIL



Sou professor de História em Belo Horizonte, cidade em que o prefeito Alexandre Kalil, que em seu período de campanha eleitoral falava da importância do tratamento carinhoso aos profissionais da educação, coordenou uma brutal repressão à manifestação das professoras da educação infantil da rede municipal de ensino. Lembro que durante sua campanha eleitoral em 2016, Kalil se comprometeu em equiparar o piso salarial da categoria (que atualmente o salário bruto é de R$1.451,93) ao dos docentes do ensino fundamental (que possuem salário líquido de R$2.800,00). Entretanto, além de não cumprir com a palavra, Kalil assistiu a Polícia Militar jogar bombas de efeito moral, jatos d’água e gás de pimenta sobre as professoras que manifestavam de forma ordeira e pacífica em frente à Prefeitura de Belo Horizonte. Um duro golpe àquelas que prestam um papel tão caro à sociedade e que tão pouco são valorizadas
Na quinta-feira, foi a vez dos professores da rede privada de Minas Gerais paralisarem suas atividades escolares e lutarem contra a grave transformação ao regime de trabalho proposta pelo Sindicato Patronal das Escolas Particulares de Minas Gerais, o SINEP-MG. Isso porque, de acordo com uma nova convenção coletiva de trabalho estabelecida pelo órgão patronal, direitos históricos conquistados pela categoria seriam jogados na lata de lixo, como: o direito às bolsas de estudos aos filhos dos professores; o direito ao intervalo de 15 minutos após três aulas consecutivas; o direito às férias até o dia 31 do mês de janeiro; o direito à assistência do sindicato dos professores quando da demissão do docente; o direito do adicional por tempo de serviço de 5% após cinco anos de trabalho na mesma instituição; entre outros. A classe optou pela greve, tendo em vista o grave desmonte aos direitos trabalhistas e de dignidade da categoria.
Não é de hoje que assistimos ao total descaso das autoridades competentes com professores e alunos. A educação no Brasil vai de mal a pior desde o século XVI! Tratam essa ferramenta de construção do saber e da efetivação da liberdade e da cidadania como um instrumento de dominação das massas desde 1549, quando os primeiros jesuítas desembarcaram na Bahia com o objetivo de catequizar indígenas e ensinar os padrões europeus, bem como a língua portuguesa, aos nativos.
Desde aqueles tempos, havia uma clara distinção de classes: enquanto os filhos dos colonos recebiam o conhecimento em colégios estruturados e organizados, graças aos investimentos de particulares, os índios recebiam os jesuítas em escolas improvisadas nas “missões jesuíticas”, assim como hoje continua ocorrendo na maior parte das escolas públicas do Brasil.
Hoje, com a Reforma do Ensino Médio, autorizada pelo presidente golpista Michel Temer, a lógica de improviso continuará prevalecendo sobre a educação formal no Brasil. Isso porque profissionais com “notório saber” poderão lecionar em escolas do país inteiro. Profissionais que não são professores, que não possuem habilidades na docência e que não têm compromisso algum com a “educação como prática de liberdade”, defendida por Paulo Freire, poderão ministrar aulas teóricas para alunos de escolas públicas, comprometendo o exercício do pensamento crítico, autônomo e autêntico por parte dos discentes. Isso representa um total sucateamento da educação e um abandono às diretrizes da pedagogia da autonomia freiriana.
Querem acabar com o poder transformador que o professor possui. Ao tentarem retirar seus direitos trabalhistas e não o remunerar com dignidade, abrem brechas para que profissionais de outras áreas se apropriem das escolas para promoverem uma total instrumentalização da educação. Esses profissionais não fazem greve nem paralisações. Obedecem às ordens do mercado. Diferente do professor, que dá aulas de cidadania ao exercer seu direito de manifestar contra as arbitrariedades dos poderosos. Educa pelo exemplo.
Assistimos atualmente a uma total privatização e monopolização da educação no Brasil. Na última semana, o grupo Somos Educação foi vendido à Kroton Educacional por R$4,6 bi, potencializando as ações desse grupo. Isso mostra que a educação é um campo extremamente lucrativo e que empresários estão de olhos abertos a esse mercado. A Somos Educação é detentora de marcas editoriais de livros didáticos que são consumidos por alunos de escolas públicas e privadas, como a Ática e a Saraiva. Essas empresas negociam suas marcas com os governos para fornecer material didático para os alunos de escolas públicas do país inteiro. Ou seja, a educação brasileira é um grande balcão de negócios de lucratividade garantida e não é à toa que o maior grupo do ramo educacional do mundo é daqui do Brasil e acaba de comprar a Somos Educação. A educação tem se tornado uma mera mercadoria, caro leitor.
Em diversas escolas particulares, inclusive, já é possível identificar em seus “planos de metas” o “foco no resultado”, uma tentativa de se apropriar de um princípio mercadológico para definir ações de crescimento educacional. É preciso lembrar que o foco no resultado compromete o desenvolvimento da educação cidadã, visto que ele se baseia na lógica dos fins justificarem os meios, numa competição desenfreada, onde o importante é o diploma e não a formação. Já perdi as contas de quantas vezes presenciei pais e alunos se revoltarem contra as ações corretivas de um professor/coordenador com frases do tipo “eu pago seu salário”, “eu tenho o direito porque pago por isso”. Não obstante, é preciso lembrar que a educação não pode seguir a mesma lógica do mercado. O professor é o agente libertador do aluno, aquele que é capaz de oferecer subsídios para o pensamento crítico, o formador dos novos profissionais. O professor não pode se vender ao mercado, tampouco se submeter a tamanho constrangimento.
O sucateamento da educação e o grande desprezo e descaso com os professores fazem parte de uma estratégia de manutenção do poder por parte das elites dominantes. Um verdadeiro pacto entre políticos e empresários que, no caso dos primeiros, para se manterem no poder, destroem a carreira do professorado, instrumentalizam a dominação por meio do currículo (querem tirar Filosofia e Sociologia, disciplinas que fazem o indivíduo desenvolver o senso crítico, do currículo do Ensino Médio),  limitam o poder de crítica dos alunos, e promovem reformas em troca do dinheiro sujo dos segundos, que usam a educação como mecanismo de enriquecimento e, em alguns casos, de lavagem de dinheiro. É necessário entender que o que está em risco é um projeto de Brasil. A educação é um dos pilares elementares para se reformular e remodelar uma sociedade. Se continuarmos deixando ela servir aos interesses dos dominantes, continuaremos sendo dominados.
Por isso é necessário repensar a educação no Brasil.

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