Nessa lista, nem todos são iguais


HAROLDO LIMA - 247 brasil
Ex-diretor geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)


A partir da Lava Jato, instaurou-se no país uma moral abusiva, aética, contrária à Justiça e ao Direito. A partir de suspeitas, consistentes ou não, prende-se uma pessoa, sob a forma de “condução coercitiva”, “prisão temporária” ou “preventiva”, tudo isso aplicado arbitrariamente. 
Depois vem a “tortura de tipo novo”, sim, a tortura sem choque elétrico, nem pau de arara, mas que mantém uma pessoa presa sem culpa formada sob ameaça de que, se não fizer uma grande delação, seus familiares podem ser presos e sua empresa pode ir à falência. Aí surge a “delação premiada” que foi introduzida no Brasil a partir da Lei dos Crimes Hediondos, em 1990, Lei 8.072, no governo de Collor, e que depois foi estendida a diversos outros casos.
A “delação premiada” incentiva e premia a traição. A traição, no código moral da humanidade, é um gesto ignóbil, repugnante, baixo. Na história do mundo, o traidor mais conhecido foi Judas Iscariotes, que fez sua delação premiada traindo Cristo para receber o prêmio do perdão de suas dívidas e mais algum dinheiro. E ao matar, puseram Cristo ladeado por ladrões.
No Brasil a linhagem desprezível dos traidores tem nomes como Silvério dos Reis, que fez sua “delação premiada” traindo Tiradentes, para ter o perdão de dívidas que tinha para com a Corte Portuguesa; tem Domingos Fernandes Calabar, que passou para o lado dos holandeses que invadiam o Brasil, no século 17, no Nordeste, para ser premiado com mais autoridade e terras; tem, nos tempos recentes, Jover Teles, que para ser premiado com a vida, entregou a vida de seus companheiros do PCdoB à ditadura, na Chacina da Lapa; e tem, na atualidade, o senhor Michel Temer, que traiu a pessoa que lhe escolhera como vice para chegar sem voto à Presidência da República. Esses são os exemplos de “delações premiadas” no Brasil.
Mas a “delação premiada” é jurídica e constitucionalmente imoral porque, ao incentivar e ao premiar a traição, entra em contradição com o Direito brasileiro, posto que o artigo 61 do Código Penal estabelece que entre “as circunstâncias que sempre agravam a pena”, “quando não constitui crime”, está a traição, prevista no inciso “c” do referido artigo. Ao tratar de crime de homicídio, o mesmo Código volta a formular, em seu artigo 121, § 2, IV , que a pena a ser aplicada ao criminoso deve ser agravada, se houver “traição”.
Então, uma lei que incentiva e premia uma prática condenada pelo Código Penal, como uma prática que agrava as penalidades, é uma lei ilegal, ilegítima, que sobrevive e ganha força porque cresce no país um Estado de exceção que a manipula, ao arrepio da Constituição.
E aí ocorrem situações bizarras. Ao preso, ameaçado de várias formas, é apresentada a alternativa de auferir vantagens substanciais, inclusive a de ser solto, se “dedurar” uma porção de gente. A outra alternativa é penar na cadeia indefinidamente. A hipótese desse preso e de pessoas ameaçadas virem a relatar fatos criados e a listar pessoas a esmo aparece com frequência. E, se o sistema de exceção que comanda tudo isso, promove os vazamentos seletivos ou resolve expor todos os nomes citados sem uma averiguação prévia sobre a veracidade do que foi delatado, ocorre o que sucedeu ontem, uma miscelânea é apresentada espetacularmente à nação com uma centena de nomes, nivelados pela suspeição.
Um noticiário espalhafatoso, acompanhado da promessa de que o show vai continuar, deixa o povo desinformado e confuso. Porque, não há dúvida de que, naquela lista, talvez na maior parte dela, estejam pessoas envolvidas em corrupção, mas outras não estão. E quando se trata corruptos da mesma forma que não-corruptos, duas situações acontecem: favorece-se o corrupto colocando-o junto a pessoas de bem, e faz-se grande injustiça com pessoas de bem, nivelando-as a gente desonesta.
A espetacularização dos passos processuais e a generalização precipitada da suspeição levam ao fenômeno canhestro da formação da convicção sem provas e servem a outros objetivos que não à Justiça e ao combate à corrupção. Embaralha as coisas, induz propositadamente o povo ao erro, leva-o ao desânimo, a imaginar que está tudo perdido, que todo mundo é ladrão, que esse país não tem jeito, que a política não presta, que o que presta é a tirania.
A responsabilidade com as consequências antinacionais do que está acontecendo no país por conta das deformações da Lava Jato é grande. A engenharia brasileira de grandes projetos e obras, que era das mais bem preparadas do mundo, se esfarelou, funcionários e técnicos aos milhares foram demitidos, as empresas estrangeiras estão aí alegremente substituindo-as. Os grandes projetos estratégicos do país também foram escanteados, o submarino nuclear, o foguete de Alcântara, a inclusão social. E transmitimos ao mundo a notícia espantosa e ridícula de que nossos grandes empresários são corruptos, honestos são os estrangeiros.
Quero dizer aqui que, em 1976, tendo sido preso na Chacina da Lapa, fui barbaramente torturado pela ditadura que me apresentava a opção da “delação premiada”: se eu revelasse algumas coisas, especialmente a localização da gráfica clandestina do Partido, que estava sob minha responsabilidade, o prêmio era grande. Galhardamente rejeitei, preferi o sofrimento da tortura à traição, o que me dá hoje enorme satisfação.
Na relação dos citados ontem, de cambulhada com todos os outros, parto do princípio de que alguns lá estão injustamente. Há um pequeno grupo que conheço bem de perto, porque milito com eles há muitos anos e sei que é gente séria, batalhadora da causa patriótica, democrática e popular, gente simples e dedicada, cujos nomes estão ali injustamente, absurdamente postos.
Os que os conhecem, como eu, queremos lhes dizer que não se abatam, não se decepcionem, não desanimem com a injustiça e o destempero porque, continuando nossa luta obstinada, daremos um tranco nesse Estado paralelo de exceção que está pontificando no país, combateremos a corrupção com rigor e sem espalhafato e recolocaremos nosso país na senda do desenvolvimento e no império da Lei, queridas senadoras Vanessa Grazziotin e Lídice da Mata, caro deputado federal Daniel Almeida, dileta deputada Manuela D’Àvila, combativo deputado Eron Bezerra.

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