WALDECK ORNÉLAS - UM TREM NA CONTRAMÃO
Bahia Econômica
São crescentes os indicativos de deseconomias de aglomeração no Centro-Sul do país, mas continuam sendo tomadas decisões que conduzem a mais concentração, em um momento em que a população prioriza a qualidade de vida, o meio ambiente, a melhoria dos serviços públicos – especialmente os de educação, saúde, transporte e segurança pública.
Rapidamente é possível anotar vários sintomas dessa enfermidade socioeconômica: I) crise hídrica: nesse Verão, não apenas São Paulo, mas também o Rio de Janeiro e Belo Horizonte correram sério risco de desabastecimento; II) crise portuária: a demora no desembarque faz os importadores trocarem o Porto de Santos por outros, especialmente pelos catarinenses, uma vez que o custo extra de transferir a carga de volta para São Paulo já se mostra inferior aos gastos com armazenagem e aluguel adicional dos contêineres; III) qualidade do ar: estudos do governo de São Paulo apontam a necessidade de reduzir em 26% as viagens de carro para que a metrópole paulistana volte a ter um ar aceitável; IV) estresse no trânsito: o aumento continuado do tempo no deslocamento casa-trabalho nas grandes metrópoles leva os trabalhadores a comprometerem boa parte do seu dia e capacidade produtiva em transporte público insuficiente e meios privados que se tornam ineficientes; e assim por diante.
Vale lembrar um ex-prefeito paulistano de boa formação técnica, o engenheiro Figueiredo Ferraz, que afirmou peremptoriamente: “São Paulo precisa parar de crescer”. E estávamos em pleno “milagre econômico”, ainda na época do “Sul Maravilha”, em que a migração Nordeste-Sudeste era intensa, na busca de oportunidades de trabalho que hoje não existem mais.
Caminhamos, no entanto, na contramão dessas evidências e das demandas da população, expressas nas manifestações recentes. Ainda agora, a intenção de construir a chamada Ferrovia Transcontinental, ligando o Brasil ao Peru e o Atlântico ao Pacifico, vem direcionada para o porto do Açu, na região Centro-Sul, em vez de priorizar a articulação da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) com a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) – o que até as próprias denominações indicam ser o caminho lógico e sensato, além de contar com melhor traçado técnico e acesso a privilegiado porto de águas profundas que pode ser implantado pela iniciativa privada na Baía de Todos os Santos. Isto mesmo e, inclusive, independente da eventual ligação com o Pacífico.
A considerar-se o forte impacto que essa ferrovia deverá ter na economia nacional – pela movimentação de bens, atração de novas indústrias, expansão da agropecuária e dos serviços logísticos – para bem além do interesse bilateral Brasil-China, ela molda um novo eixo de desenvolvimento em nosso país. Por isso mesmo, ainda é de esperar-se que esse projeto estruturante seja portador de uma visão de futuro, e não de uma atitude meramente incremental da armadura econômica existente, reforçando a concentração.
Ora, se há um papel que cabe indiscutivelmente ao Poder Público esse é o de induzir o desenvolvimento, otimizando a utilização dos recursos sempre escassos, promovendo a mais adequada alocação dos meios, arbitrando a distribuição dos benefícios sociais, especialmente via redes de infraestruturas.
É preciso que a definição de quaisquer projetos de forte impacto nacional conte sempre com adequada avaliação técnica, no bojo de um planejamento integrado que traga um claro compromisso com o futuro, capaz de dar novas esperanças aos brasileiros.
Nesse contexto, impõe-se resgatar a agenda da correção dos desequilíbrios regionais, não como política autárquica de desenvolvimento, mas como uma consciente ação federal de desconcentração do desenvolvimento nacional.
Retomar, no Nordeste, a temática de Celso Furtado e Rômulo Almeida, entre outros, não é saudosismo, nem mais apenas uma justa – social e economicamente – reivindicação regional. É, agora, sobretudo, uma imperiosa necessidade nacional. (Também Publicado no jornal Correio)
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