Exploração mineral e o desenvolvimento local

Portal Vermelho


O Código de Mineração brasileiro – Decreto Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 –, apesar de ter sofrido algumas alterações nos anos 1990, necessita de uma profunda revisão. Isso pelo fato de o Código vigente não conseguir abarcar todas as questões necessárias a ser tuteladas, de ordem econômica, social e ambiental, devido ao ritmo de desenvolvimento tecnológico e de exploração mineral que tem alcançado, e de que urge o país. 

Por Pedro Luiz Teixeira de Camargo* e Ana Paula Bueno*


Mediante tal questão, o governo federal apresentou, no último dia 18 de junho, uma proposta de Código de Mineração – encaminhada em caráter de urgência constitucional – ao Congresso Nacional na forma de projeto de lei. Ressaltando as potencialidades do Brasil, por conter algumas das maiores reservas minerais do mundo, a presidenta Dilma Rousseff disse, em seu discurso proferido na cerimônia no Palácio do Planalto: “o setor mineral convive ainda hoje com uma regulamentação frágil e burocrática”, e ainda: [é preciso] “criar um marco legal favorável aos negócios, aos investimentos produtivos, fortalecendo o novo ciclo de desenvolvimento de nosso país, mas tudo isso com ganhos para a sociedade, para os trabalhadores e para o meio ambiente”.



Além de o Brasil possuir riquezas em minérios (mineral ou uma associação de minerais, rocha, que pode ser explorado economicamente) e outros recursos naturais, também possui uma das maiores biodiversidades do mundo. Daí a forte necessidade de rigor na preservação ambiental. Para isso, é muito importante possuir bem definidos os tipos de uso e pesquisas de solo e subsolo, visando à conservação, por meio de sustentabilidade ambiental.

Diversos pontos presentes no Código de Mineração devem ser revistos, como no caso do Art. 33, segundo o qual, “O titular da autorização de pesquisa, uma vez aprovado o Relatório, terá um ano para requerer a concessão de lavra e, dentro deste prazo, poderá negociar o respectivo direito”. Porém, com o avanço da tecnologia de exploração mineral, não se justificam mais prorrogações de concessões de lavra, porque a livre concorrência na exploração mineral é beneficiária ao país e pontos como esses acabam por favorecer empresas que já estão no ramo há muito tempo em detrimento de outras que poderiam realizar tais explorações minerais de maneira mais segura ou até mais lucrativa para o Estado brasileiro.

Do mesmo modo, é necessário rever a falta de regulamentação sobre os trabalhos de movimentação de terras e o desmonte de materiais in natura, visto que os impactos negativos e o baixo retorno financeiro para estados, municípios e União, são alguns dos prejuízos que podem ocorrer.

Preservação ambiental X exploração de recursos naturais
A dicotomia entre preservação ambiental e exploração de recursos naturais tem ganhado cada vez mais importância nos debates nacionais e científicos, sendo que alguns autores buscam uma conceituação para desenvolvimento sustentável que, de modo objetivo, é a busca por um equilíbrio entre a qualidade de vida e a manutenção da diversidade biológica, da vida em todas as suas formas. E também é a busca por um equilíbrio entre o homem e natureza. Colocando a questão em prática no caso da exploração de minérios, seria buscar um uso controlado dos recursos naturais com produção mínima de rejeitos e manutenção da qualidade ambiental da região explorada.

Nesse sentido, foi estabelecida pela Constituição de 1988, em seu Art. 20, § 1º, uma compensação financeira pela exploração de recursos naturais aos estados, Distrito Federal e municípios – entre outras tutelas. Assim, foi criada a Lei de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), nº 8.876/94, art. 3º – inciso IX, cabendo aos órgãos administrativos da União a partilha desta contraprestação pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios. E o órgão responsável por baixar normas e fiscalizar a arrecadação do CFEM é o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

De acordo com a CFEM, das receitas obtidas, devem ser aplicados, em prol das cidades e dos locais impactados pelos efeitos da extração mineral, 2% da renda bruta da empresa mineradora. Portanto, seria a Lei, de certa maneira, uma reapropriação dessa renda, por gerar um instrumento de desenvolvimento.

Cabe ainda destacar que o intuito da CFEM é o de mitigar os impactos que a indústria de mineração causa aos diversos municípios onde se instala. Os seus recursos são distribuídos da seguinte forma: 12% para a União (DNPM, Ibama e MCT); 23% para o estado onde for extraída a substância mineral; e 65% para o município produtor (onde ocorre a extração da substância mineral). E no caso de a extração abranger mais de um município, deverá ser observada a proporcionalidade da produção efetivamente ocorrida em cada um deles.

Com as crises ocorridas na década de 1980, até hoje o principal problema econômico dos estados produtores é a produção e exportação de commodities a preços muito baixos. Mais do que perda de valor agregado – pelo fato de a venda se dar na forma integral do minério cru –, o incentivo estadual a esse tipo de venda gerou outros problemas ambientais além da própria extração mineral em si. No caso de Minas Gerais, houve um aumento de monoculturas de eucalipto e a construção de hidrelétricas, para manutenção da indústria, nos vales dos rios Doce e Jequitinhonha.

No entanto, é notório que os impactos aos municípios produtores não são somente de ordem ambiental e econômica. Há outra ordem de impactos que deveria ser considerada cuidadosamente: os impactos sociais. A comunidade local deve ser – além de amplamente consultada, por meio de audiências públicas – participativa do processo, pois ela é diretamente afetada, para o bem e para o mal, por causa da produção minerária em seu município e região.

Para tanto, existe a Lei 6.938/81 – Política Nacional de Meio Ambiente – que tutela o meio ambiente e tem por objetivo, conforme descrito em seu Art. 2º, “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana...”. E, ainda, estabelece a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, conforme segue:

Art. 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

O licenciamento ambiental prevê ainda a participação pública no processo, objetivando garantir o acesso às informações relativas aos projetos a ser licenciados, principalmente no que tange à qualidade ambiental, aos possíveis riscos à saúde da comunidade local, e a outras questões. O órgão ambiental responsável pelo licenciamento deverá recolher as manifestações populares proferidas, mesmo com a diversidade de interesses. E ao Estado cabe a aplicação de receitas em projetos voltados à comunidade, com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento local, como também com infraestrutura, saúde, educação, compensação ambiental, em vista dos danos possivelmente causados pela exploração mineral etc.

No entanto – como se sabe –, a falta de estruturação por parte da maioria dos municípios brasileiros, com relação à infraestrutura, e a ausência de secretarias ambientais para fiscalizar refletem o descaso encontrado na maioria dos municípios com algum tipo de exploração de recursos naturais. Tal situação acarreta inúmeros prejuízos que poderiam ser revertidos em benefícios para a população local.

Uma analogia à exploração de minérios em Minas Gerais
No caso do estado de Minas Gerais, há uma grande preocupação com relação à degradação ambiental pelo fato de ele conter, mais ao centro, a região do Quadrilátero Ferrífero, de maior extração de minério no Brasil, e a mais rica do estado. Trata-se da principal área do país em produção de minério de ferro atualmente, onde uma parte abastece as usinas siderúrgicas nacionais e outra segue para a exportação.

Minas Gerais é responsável por boa parte da produção minerária do Brasil, o equivalente a 35% da produção anual no país. O mesmo número percentual é também o que esse estado arrecada com tal produção: US$ 5,98 bilhões (Ibram, 2010). Além desses dados, é importante levar em consideração o retorno que a extração minerária tem trazido aos municípios produtores.

Tabela 1 e 2


Apesar da riqueza econômica gerada com a produção de minérios – ao se observar, comparativamente, as Tabelas 1 e 2 –, detecta-se um dado interessante: os principais municípios mineradores do estado de Minas (Tabela 2) apresentam IDH mais baixos que os municípios com economia diferenciada (Tabela 1) – com exceção de Nova Lima (maior PIB de ouro do Brasil), que diversificou sua economia. Mesmo com a alta arrecadação dos municípios mineradores, devido à verba do CFEM, como se justifica a disparidade apresentada no desenvolvimento local?

Tendo em vista a dificuldade dos muitos gestores públicos em conseguir de fato diversificar o perfil econômico de tais cidades, somada a uma baixa qualidade de vida de maior parte da população, pode-se enxergar a necessidade da importância da rediscussão sobre os royalties do minério.

Tal ideia, já transformada em Projeto de Lei (nº 3.403, de 09 de março de 2012, da deputada Sandra Rosado) no Senado Federal, propõe um aumento de 5%, a ser pago pelas mineradoras. Se sancionada, representaria, portanto, um grande avanço, uma vez que traria enormes impactos com relação aos royalties pagos aos municípios, podendo amenizar os impactos econômico-sociais sofridos com a exploração mineral.

De maneira a ilustrar o que poderia ocorrer na hipótese de aprovação desse PL, na Tabela 3 pode-se observar o impacto financeiro que poderia irromper caso fossem revisados os royalties pagos atualmente.

Tabela 3
Principais municípios mineradores de Minas Gerais

tabela3 Ana e Pedrotabela3 Ana e Pedro
Portanto, com base nos dados apresentados nessa tabela, é perfeitamente possível verificar o alto impacto financeiro que beneficiaria tais cidades. Entretanto, cabe ter em mente ser fundamental não apenas garantir o aumento dessa arrecadação, como também assegurar que essa verba venha a ser de fato aplicada em melhorias para a população, com incentivos a saúde, preservação ambiental, assistência social e educação.

Portanto, devido à falta de competência administrativa dos gestores públicos, especialmente a dos municipais, ainda ser uma realidade, vincular o aumento de arrecadação ao retorno à população na forma de incentivos e programas sociais, sem dúvida, seria – a nosso ver – a melhor maneira de se garantir um aumento de IDH com autonomia e benefício local.

É importante estar atento aos impactos trazidos pela exploração de bens naturais para o Brasil (especialmente para Minas Gerais), pois o que é pago atualmente pelos empreendedores a título de tributos para o país não tem sido suficiente mediante os danos ambientais, sociais e econômicos hoje e no futuro – visto que o que é explorado atualmente poderá ou não se recuperar, ou se reconstituir no meio ambiente explorado direta ou indiretamente.

No caso dos impactos econômico e social gerados, para que sejam minimizados seria fundamental a aprovação do Projeto de Lei nº 3.403, de 09 de março de 2012, em tramitação no Senado, que aumenta de 2% para 5% a porcentagem líquida de lucros que as empresas exploradoras de minério deverão pagar ao Estado, porque isso garantiria uma contrapartida mais efetiva aos municípios. Cabe relembrar que tais valores devem ser obrigatoriamente canalizados na melhoria de vida da população local, com incentivos a saúde, preservação ambiental, assistência social e educação.


* Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe) é biólogo, especialista em gestão ambiental, mestrando em Sustentabilidade Socioeconômica e Ambiental, pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), e membro da Comissão Estadual de Meio Ambiente do PCdoB de Minas Gerais. E Ana Paula Bueno é geógrafa e membro da Secretaria Nacional de Meio Ambiente do PCdoB.

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Fonte: Revista Princípios


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