Editorial


Do que sinto falta na crise do Senado

Luciano Siqueira

Não é propriamente na crise do Senado, mas no noticiário sobre o assunto. Dou um doce a quem achar na grande mídia qualquer observação sobre a verdadeira questão que está em jogo quando senadores oposicionistas e governistas trocam mútuas acusações de práticas incorretas – ou seja, a disputa pela presidência da Casa.

Como disse um amigo, aconteceu com Renan e Sarney e acontecerá com qualquer senador que ocupe a presidência numa postura de aliado do governo: é chumbo grosso.

Claro que ninguém deve defender o governista Sarney ou o oposicionista Arthur Virgílio ou nenhum outro senador quando pilhado em procedimentos eticamente condenáveis. Mas se deixar enredar nessa briga entre o sujo e o mal-lavado sem perceber a luta pelo poder que está por trás do discurso moralista é pura ingenuidade.

Além disso, o assunto também é tratado como algo sem solução – ou passivo de soluções duvidosas, como a adoção do parlamento unicameral, que ficaria restrito à Câmara, extinguindo-se o Senado. Isso sem nenhuma relação com o sistema governo nem com a convocação de uma Assembléia Constituinte apta a tomar tal decisão.

Mais: por que a mídia não discute a necessidade de renovação de nossas representações parlamentares no próximo pleito? Por que não debate a natureza obsoleta não apenas do Senado, mas do Estado brasileiro, na atualidade defasado em relação às reais exigências do aprimoramento democrático e do avanço civilizatório? Por que não dá a devida dimensão a uma reforma política de sentido democratizante?

A resposta é uma só: porque a grande mídia, mancomunada com a oposição conservadora chefiada por tucanos e demos, não deseja ir além de uma hipotética queda de Sarney e conseqüente assunção à presidência do senador Marconi Perilo (PSDB-GO), como parte de um roteiro de imobilização do governo.

Por isso é necessário alargar o ângulo da análise dos acontecimentos, para não circunscrever as mazelas da sociedade brasileira ao que ocorre no Senado. Até porque o Senado, assim como a Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais refletem, em sua composição, distorções, avanços e insuficiências da sociedade traduzidos através do voto. E, apesar da elevação da consciência política do eleitorado, o sistema eleitoral é de tal forma viciado que produz maiorias conservadoras, diretamente ou indiretamente comprometidas com interesses nem sempre confessáveis e envoltas em procedimentos incorretos.

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